O Blog da BVPS divulga o lançamento do livro “A República em Transição. Poder e Direito no Cotidiano da Democratização Brasileira (1982 a 1988)” de Raymundo Faoro, organizado por Joaquim Falcão (ABL) e Paulo Augusto Franco (FGV-Rio). A seguir uma breve apresentação do livro escrita pelos organizadores:
O conteúdo que constitui este livro é fruto de leituras e relações de 320 textos escritos por Raymundo Faoro e publicados em sua coluna semanal na extinta revista Senhor entre 21 de abril de 1982 e 4 de julho de 1988. Dentre o material gentilmente cedido pela revista IstoÉ, selecionamos, pela identificação de bases temáticas, 61 textos que se encontram organizados em quatro partes, privilegiando, de modo geral, mas não exclusivo, um recorte cronológico da obra.
Entre os anos de 1982 e 1983, o debate político preliminar em torno da transição democrática no Brasil se misturava às indeterminações de uma crise econômica. Entre as fantasmagorias da inflação, do desemprego, da dívida externa e da recessão, críticas às formas institucionalizadas da economia pareciam dar o tom das contradições a serem reveladas no palco da política.
No primeiro grupo de textos de Raymundo Faoro aqui organizados percebemos que essa interseção entre o que vinha sendo anunciado e propagado como uma “crise econômica” e o meio político vigente aconteceria a partir dos efeitos falaciosos da “teoria”, da “ideologia”, da “retórica” e da “promessa”. Através desses meios, a realidade seria capturada e controlada a rigor dos significados pretendidos pelo grupo interessado em seus desdobramentos concretos. Muito se diria e pouco se faria.
Perceberemos, nessa etapa, que Faoro procurava demonstrar que a construção democrática, enquanto jogo, parte da disputa pelos domínios da verdade na sua correlação direta e indireta com a autoridade. A quem serve o universalismo dos números, da teoria, enfim, das explicações oficiais da “alta política”? Qual seria, afinal, o idioma, a retórica, enfim, a classe de uma crise econômica? A quem servimos ao darmos como natural a linguagem que nos é imposta?
Nos textos da parte II, compreendidos entre os anos de 1983 e 1985, fica evidente a vitalidade da tese construída em “Os donos do poder” (1958) na qual Faoro descreve e relaciona a permanência — e insistência — de estruturas autoritárias e patronais nos domínios sociais e políticos brasileiros. A ideia de “pacto” presente na retórica erigida em torno da noção de “transição”, para Faoro, atestava o caráter continuísta das estruturas oligárquicas na política brasileira. Alteram-se conceitos, inaugura-se um marco histórico, realojando, no entanto, as velhas relações, significados e objetivos de uma elite minoritária. Para compreender essas sínteses no interior da “classe política” dirigente e desigual, Faoro mobilizou naquele período o repertório conceitual e analítico em torno da chamada “teoria das elites” proposta pelos italianos Gaetano Mosca (1858-1941) e Vilfreto Pareto (1948-1923).
Na parte III, os termos do debate de Faoro se concentram nas imagens disputadas em torno da Assembleia Constituinte, a qual, se ampliava na possibilidade de elaboração histórica das bases da ordem política nacional identificada em princípios que desenvolveriam uma ordem jurídica democrática.
O argumento central de Faoro, naquele contexto, era de que o Poder Constituinte só se revelaria fora das manipulações da classe política dirigente na Assembleia Constituinte, ou seja, “de baixo para cima” (1986, p. 95). Somente nesses termos se poderia conciliar a constituição social com a constituição jurídico-normativa.
Nesse período, as reflexões de Faoro são ainda atravessadas pela eleição e falecimento de Tancredo Neves, dando lugar ao governo de José Sarney e tencionando os debates vigentes em torno das construções políticas e jurídicas indexadas pela noção de legitimidade.
Por fim, na última parte do livro, sob uma espécie de síntese substanciada no inacabado, os textos escritos entre 1986 e 1988, Faoro se propõe a interrogar o sentido democrático por dentro, procurando nos apresentar as suas mais veladas contradições presentes em fins retóricos a serem capturados pela sempre presente gramática conservadora dos “donos do poder”.
Joaquim Falcão e Paulo Augusto Franco