Hospedagem Vale Quanto Pesa | Série Infraestruturas, por Rachel Rego

A Hospedagem Vale Quanto Pesa abre suas páginas hoje para a artista visual Rachel Rego, que traz à tona suas preocupações estéticas e políticas sobre os espaços institucionais brasileiros dedicados às artes plásticas, no que se poderia chamar mais ou menos de relações com territorialidades e comunidades locais – devemos enfatizar o plural. Confira a Série Infraestruturas – Inhotim e suas (a)fundações (2023) e o texto que ela escreveu para o post.

O post é publicado em parceria com a coluna Minas Mundo da BVPS.

Para saber mais sobre a Hospedagem, clique aqui.


Série Infraestruturas – Inhotim e suas (a)fundações (2023)

Por Rachel Rego*

A Série Infraestruturas – Inhotim e suas (a)fundações (2023) é um conjunto de cinco trabalhos que investiga as condições de possibilidade de um mundo baseado na externalização dos seus custos de manutenção. Essa série pretende explicitar as relações e os processos que tornam viáveis uma dada materialidade, mas que não necessariamente tornam visíveis os vínculos de interdependência que atravessam e alicerçam tais existências. O objetivo central da série é abordar a desconexão entre a arte contemporânea (e suas instituições) e os territórios a partir dos quais ela se afirma, valendo-se de mecanismos de negação ou apagamento para estabelecer uma distância das desigualdades e opressões históricas que tenta corrigir por gestos de autocrítica, mas que continuam sendo perpetuadas pelas infraestruturas psíquicas, materiais e simbólicas que a informam. As imagens buscam costurar obras de artistas que estão no Inhotim – e inclusive a arquitetura dos pavilhões, a vegetação e outros elementos importantes na constituição desse espaço – com as infraestruturas que tornam a existência dessa instituição cultural possível. Nesse sentido, as composições tentam exprimir um paradoxo. De um lado, apesar de realizar uma espécie de crítica da história da qual ela mesma faz parte, traz para dentro do seu espaço narrativas que questionam, por exemplo, o colonialismo, a expropriação dos povos originários e a violência empregada na constituição do território “brasileiro”, e na própria identidade do “Brasil”. De outro lado, continua se valendo das mesmas práticas que sustentam a desigualdade e a opressão que são alvo de questionamento em exposições sediadas no museu.

Criado para abrigar a coleção particular de artes de um empresário da área da mineração e da siderurgia, o Inhotim é atravessado na sua história de fundação por uma série de soterramentos que permitiram o estabelecimento desta instituição enquanto tal. É possível que o mais gritante seja o silêncio e a separação que esse museu mantém em relação a Brumadinho, cidade onde se localiza, soterrada pelos dejetos tóxicos vindos do rompimento da barragem de uma companhia mineradora em 2019. O descolamento entre o Inhotim e as dinâmicas que acontecem ao seu redor aparece na atmosfera de claustrofobia e isolamento evocados pelos trabalhos, cujos elementos de interdição e barreira (grades, cercas, relevos e vegetação) reforçam a sensação de que esse lugar resiste na qualidade de refúgio ou abrigo frente às catástrofes “alheias”, ainda que ele tenha íntima ligação com elas – como no caso do crime ambiental de Brumadinho. Além de chamar a atenção para as bases invisíveis que alicerçam a arte contemporânea, situando-a em um mundo regido pela relacionalidade dos processos e das dinâmicas nas quais se insere, essa série também pontua algumas inquietações quanto ao papel das artes frente ao colapso ecológico e à ruína de um modo de existência particular. Por um lado, reconhece a potência de um horizonte utópico baseado em uma concepção de arte disruptiva e transformadora, inclinada a pensar e discutir as bases que sustentam a configuração atual da sociedade em que vivemos, com vias de subvertê-la. Por outro, reconhece que essa mesma arte carrega consigo certo conservadorismo, uma vez que seu potencial emancipador está condicionado pelo próprio lugar e pelos meios a partir dos quais a crítica é feita.

Barragem. Fotografias, mapas e retalhos serigráficos colados sobre papel, 42 x 29,7cm, 2023.
Lavra a céu aberto. Fotografias e mapas colados sobre papel, 42 x 59,4cm, 2023.
Vazante. Fotografias e retalhos serigráficos colados sobre papel, 42 x 29,7cm, 2023.
Represa. Fotografias e mapas colados sobre papel, 42 x 59,4cm, 2023.
Indústria extrativa. Fotografias e mapas colados sobre papel, 42 x 29,7cm, 2023.

Apresentação da autora

* Sou artista visual em formação pela Escola de Artes Visuais do Parque Lage, mestra em Filosofia e Questão Ambiental pela PUC-Rio e atualmente em residência pela Casa da Escada Colorida. Venho desenvolvendo meus trabalhos a partir de técnicas mistas, buscando combinar colagem e serigrafia para criar texturas, relevos e paisagens capazes de capturar a experiência cotidiana de existir em meio ao colapso ecológico. Inspirada em elementos cartográficos e recursos de projeção topográfica, tento destacar as relações, os movimentos e os processos que alicerçam os modos de existência de uma sociedade moderna-industrial-urbana-capitalista-branca. Meus trabalhos atuam, portanto, em duas frentes complementares. Por um lado, mapeiam as infraestruturas materiais e visíveis que permitem a existência de um mundo norteado por ideais de “progresso” e “desenvolvimento”. Por outro, captam as paisagens psíquicas e atmosferas afetivas resultantes da experiência cotidiana de existir em meio a um colapso ecológico que ameaça a viabilidade destas mesmas convicções. Inspirada pelas ciências que mergulham na “pele da terra”, cuja iniciativa em olhar para dentro, para as camadas densas e profundas, é o que possibilita a elaboração de uma prática de cuidado e atenção, tento buscar uma orientação similar ao trazer à tona os desejos e afetos inconscientes e contraditórios que seguem nos lançando a corroborar uma forma de habitar a T(t)erra que jamais se sustentou, pois continuamos consumindo horizontes futuros criados a partir do extermínio de mundos alheios.

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