Racismo e limites à democracia em “A integração do negro na sociedade de classes”, por Mário A. Medeiros da Silva & Antonio Brasil Jr.

Teremos hoje na BVPS um dia de postagens com textos de 3 dos maiores especialistas, de duas gerações de sociólogos, em Florestan Fernandes e na chamada escola paulista de sociologia. Publicamos agora o prefácio da edição mais recente de A integração do negro na sociedade de classes, assinado pelos sociólogos Mário A. Medeiros da Silva (Unicamp) e Antonio Brasil Jr. (UFRJ).

Em 10 de abril de 1964, pouco após o golpe que deu início à ditadura civil-militar brasileira, Florestan Fernandes assina a “Nota explicativa” de sua tese de cátedra na Universidade de São Paulo, dedicada ao “estudo de como o Povo emerge na história”. No argumento de Florestan, a questão racial era o dilema decisivo a ser enfrentado ativamente pela sociedade brasileira e teria relação com a própria sorte da democracia no país. Sessenta anos depois, podemos voltar ao livro clássico de Florestan e questionar: como o povo está na história do presente?.

Agradecemos ao colega Lucas Carvalho, membro de nosso conselho editorial, pela lembrança da efeméride.

Boa leitura!


Racismo e limites à democracia em A integração do negro na sociedade de classes

Por Mário A. Medeiros da Silva (Unicamp) &

Antonio Brasil Jr. (UFRJ)

A integração do negro na sociedade de classes – tese de cátedra defendida por Florestan Fernandes em 1964 e publicada em forma de livro no ano seguinte, em volumes de mais de 700 páginas pela editora Dominus em parceria com a USP – exprime de modo agudo as promessas e as frustrações que marcaram o breve interregno democrático que se estendeu de 1945, com o fim do Estado Novo, a 1964, ano do golpe civil-militar. O livro, escrito ao final deste período – a defesa ocorreu poucos dias depois do golpe – captura e amplifica as grandes questões colocadas a respeito da democratização da sociedade brasileira em meados do século passado, com as quais dialoga de modo tenso, dotando-lhes de rigor e densidade sociológicas. Neste sentido, o texto operou como uma caixa de ressonância de um momento histórico que apresentava simultaneamente um horizonte inédito de transformação social e a presença latente – que logo depois se tornou manifesta – de tentativas de redefinição daquele horizonte em sentido autoritário, conservador e excludente. Não por acaso, Fernandes trata, no livro, da questão racial como um dilema a ser enfrentado ativamente pela sociedade brasileira, e não deixado simplesmente ao sabor das circunstâncias. Dilema que, a seu ver, tinha relação necessária com a própria realização da democracia no país.

Dito de outra forma: há uma discussão consistente em A integração do negro sobre os limites estruturais de nossa realização democrática, que não é apenas o tema do livro, mas acompanha o próprio processo de construção dos seus argumentos. Pode-se afirmar que, entre o legado da raça branca e o limiar de uma nova era – subtítulos dos dois volumes do livro, respectivamente –, o autor propõe a discussão da passagem de uma sociedade rural, eivada de distinções estamentais e de castas, para uma sociedade urbana, competitiva, porém esvaziada de conteúdo democrático. Tal processo sócio-histórico plasmaria sujeitos e instituições, impedindo a plena realização dos direitos no novo cenário. Desafios contextuais do Brasil, na metade do século XX, observados pelo elo mais fraco e prejudicado de sua corrente: o negro.

Há um balanço tanto teórico e metodológico que precisa ser feito sobre o potencial heurístico dessa obra, mas também uma análise contextual sobre as condições sociais de sua produção e seus desdobramentos, tanto para a história das ciências sociais, como para a sociedade brasileira. Menos para se procurar uma determinação – o que implicaria numa relação mecânica entre efeitos de origens variadas –, e sim para que se pondere sobre os modos ativos pelos quais o livro se relacionou com os vocabulários cognitivos e normativos disponíveis em seu tempo, inclusive para que se possa avaliar se obra inovou ou simplesmente deu seguimento a procedimentos intelectuais rotinizados. Com isto, tornam-se visíveis os ditos e os interditos, os efeitos de contatos, os constrangimentos dos possíveis, as conexões de sentidos.

Estas duas formas de abordar o livro – uma analítica e outra contextual – não devem ser vistas necessariamente, contudo, como antitéticas, mas como fecundando-se mutuamente (Botelho, 2015). Embora possamos, com proveito, retomar analiticamente certas hipóteses e construções do livro e divisar sua capacidade de interpelação contemporânea, esse movimento ganhará maior profundidade caso retenhamos certos aspectos contextuais que organizam, internamente à própria obra, os argumentos desenvolvidos em A integração do negro. Especialmente se levarmos em conta que, no livro, há uma aposta permanente no potencial de uma efetiva democratização da sociedade brasileira, feita de baixo para cima, através do protagonismo do negro. O que inclusive dá um sentido inconformista à própria noção de “integração social” que anima o título do livro e o andamento dos argumentos – “integração” não remeteria à estabilização da ordem social, mas à plena realização dos potenciais democráticos de uma ordem social aberta –, não obstante as muitas evidências em contrário que Fernandes também identifica e analisa exaustivamente ao longo dos dois volumes[1]. Trata-se, portanto, de uma aposta, e não de uma predição. Aposta que se liga, é claro, aos anseios que se difundiam nos anos 1950 e 1960 de que a sociedade brasileira deveria se encaminhar para a democratização de suas estruturas sociais, mas devidamente calibrada pelo rigor da pesquisa empírica sociologicamente orientada, que apontava para a conexão estrutural e profunda entre a modernização em curso e as formas de desigualdade e de condutas herdadas do passado.

A aposta expressa em A integração do negro, segundo nossa hipótese, é portadora e expressiva de uma radicalidade política e teórica, que nem mesmo em seu tempo conseguiu ter portadores sociais para sua execução, fossem negros e não negros, fosse a sociedade brasileira mais ampla. Não se tratava de alcançar alguns direitos, especialmente os juridicamente formais; ou de alguns pontos da democracia e da cidadania, como se vislumbram nos dias correntes. Haveria – como há ainda hoje – sempre uma situação incompleta, fosse na cena histórica, fosse na realização dos sujeitos, quase sempre aspeados (“negros”, “brancos”, “democracia” etc.). Pode-se acusar o autor e sua obra, então, de certo idealismo – quando e em que circunstâncias tais condições se realizaram, cabal e irrestritamente, na experiência social das sociedades capitalistas? Mas tal acusação não diminui a altura do horizonte dos problemas; antes, recoloca-os.

Vale dizer que esta aposta precisou ser rapidamente requalificada por Fernandes, em termos teóricos e políticos, em fins dos anos 1960, haja vista o contravapor autoritário iniciado em 1964. Os bloqueios estruturais à democratização da sociedade brasileira, já extensamente anotados e analisados em A integração, seriam mesmo típicos de uma revolução burguesa nas condições de um “capitalismo periférico”, argumento exposto dez anos depois em A revolução burguesa no Brasil (1975). Ou, dito de outro modo, os variados mecanismos, discutidos exaustivamente em A integração, que explicariam a reprodução e a naturalização das desigualdades raciais e sociais seriam agora entendidos pelo autor como um dos esteios da força e da persistência do que ele denominará em A revolução burguesa de “autocracia burguesa”[2]. No entanto, mesmo salientando com a maior nitidez possível os limites à democratização feita pelos “de baixo”, isto é, ao protagonismo popular, Fernandes jamais deixará de apostar que a única saída possível é dada justamente pela emergência do Povo na história, para glosar frase marcante que está na “Nota Explicativa” que abre A integração (Fernandes, 2008a: 21). Uma espécie de aposta impossível, uma vez que seu diagnóstico é o de uma sociedade que, com perdão do exagero, parece se orientar social, cultural, política e economicamente contra a democratização. Mas que outra saída haveria de existir senão apostar no poder popular, mesmo que as condições para a sua concreção histórica se revelem quase inverossímeis?[3]

Em nosso contexto atual, de profunda crise da ordem democrática instituída pela Constituição de 1988 – cheia de limites e problemas, como o próprio Fernandes não deixou de anotar no calor da hora em sua atuação parlamentar –, bem como de regressões democráticas em diferentes partes do mundo, as perguntas colocadas pela sociologia de Fernandes a respeito da democracia no Brasil parecem cobrar novo sentido e urgência. É certo que o (agora sabemos) curto intervalo democrático permitiu avanços inquestionáveis, como a inclusão social e econômica de vastas parcelas dos setores subalternos e a afirmação e a institucionalização de direitos sociais e do direito à diferença racial e de gênero. No que toca ao debate racial, termos como “racismo estrutural” passaram a disputar, no debate público e na percepção cotidiana, os limites impostos por décadas pelo pacto da “democracia racial”, permitindo inclusive o avanço (embora sempre disputado) da legitimação social às ações afirmativas no ensino superior, nas seleções para concursos públicos, dentre outras iniciativas. Por outro lado, o atual desdobramento da “autocracia burguesa” em uma nova ordem que passa a incorporar ativamente a fascistização nas diferentes dimensões da vida social, tensionando e corroendo por dentro os avanços das décadas anteriores, torna-se contraprova eloquente dos estreitos limites que a sociedade brasileira impõe a qualquer processo mais substantivo de democratização – mesmo que, para tal, seja necessário retirar qualquer máscara ou fachada de uma ordem minimamente civilizada e orientada para a universalização dos direitos e das garantias sociais. Se a crise democrática que experimentamos tomou de surpresa muitos de nós cientistas sociais, talvez Florestan Fernandes não se surpreendesse totalmente com o rumo atual dos acontecimentos no país[4].

Revendo a recepção do livro

Retomando o fio da meada, a releitura teórica de A integração do negro não pode deixar passar despercebida esta dimensão de aposta que está organizando o livro – tanto em sentido teórico e metodológico quanto normativo. Fernandes traduz as aspirações presentes em sua geração intelectual, no sentido de “fazer ciência, fazer história” (Villas Bôas, 2006), orientando seus argumentos em direção à sociedade, à possibilidade de autodeterminação do “Povo” – termo recorrente em seus escritos –, ou, mais especificamente, à possibilidade de o subalterno, o negro, ser senhor de si e de seu destino – e não mero instrumento das classes dominantes[5]. Mas isto nunca deu suporte a uma visão otimista do processo de democratização das relações raciais ou, em sentido mais amplo, da democratização da sociedade brasileira como um todo. Nos termos de Fernandes: “[…] não podemos endossar as opiniões ‘otimistas’. O caminho percorrido foi quase insignificante, não correspondendo nem aos imperativos da normalização da ordem social competitiva, nem às aspirações coletivas da ‘população de cor’” (Fernandes, 2008b: 237-38). Esta combinação peculiar de otimismo – a aposta no protagonismo popular – e ceticismo – sua desconfiança em relação à efetiva superação dos bloqueios à democratização – foi como o autor respondeu aos desafios postos à cena histórica naquele tenso período da sociedade brasileira. Daí sua nota divergente em relação aos anseios desenvolvimentistas do período, que imaginavam que a simples aceleração da urbanização e da industrialização resolveria automaticamente os problemas de integração social[6].

Estas observações preliminares se impõem porque há um tipo de leitura – equivocada, a nosso ver – que sugere que, em A integração do negro, com o avanço do capitalismo, a questão racial se resolveria mais ou menos automaticamente. Parece-nos improvável encontrar suportes textuais para tanto. Mais uma vez: não podemos confundir a aposta normativa do autor com a reconstrução efetiva do universo empírico das relações raciais empreendida ao longo do livro.

Isto não quer dizer, é claro, que seja possível separar inteiramente a dimensão normativa da análise sociológica desenvolvida no livro. Caso contrário, a sociologia de Fernandes não poderia ser vista como uma sociologia crítica. Afinal, é à luz das potencialidades identificadas na “ordem social competitiva” –, suporte organizatório da sociedade de classes –, isto é, do horizonte emancipatório inscrito em uma sociedade aberta e democrática, que Fernandes identifica e avalia os bloqueios estruturais – desigualdades seculares, formas de conduta reguladas por valores “tradicionalistas”, processos de mudança social heterogêneos e fragmentados – que frustram permanentemente a realização daquelas potencialidades. Há, assim, um juízo contrafactual carregado de sentido normativo: se o avanço da sociedade urbano-industrial se coadunasse com a universalização da ordem competitiva, o paralelismo entre cor e posição social precária poderia se dissolver, colocando noutro patamar – mais democrático – as relações entre brancos e negros. Para Fernandes, ao contrário do que sugere uma leitura rápida do livro, a urbanização não operaria como uma variável analiticamente independente, realizando sempre os mesmos efeitos independentemente das especificidades históricas envolvidas. Antes, a expansão da sociedade de classes no Brasil, observada empiricamente a partir da cidade de São Paulo, caminhava pari passu a uma profunda indiferença a respeito da situação do negro. É por isto que a questão da democracia é uma dimensão substantiva da reflexão sociológica do autor, e não uma dimensão residual que pudesse ser deduzida de outras variáveis, como urbanização, industrialização, secularização etc.

Ao que tudo indica, sobretudo no campo de pesquisas sobre relações raciais no Brasil, é a leitura de Carlos Hasenbalg, em seu seminal Discriminação e desigualdades raciais no Brasil (1979), que vem modelando grande parte da recepção crítica de A integração do negro. Em seu valioso balanço bibliográfico da questão racial nos Estados Unidos e no Brasil, Hasenbalg faz uma leitura fina do livro de Fernandes; porém, acaba justamente por minimizar a distinção entre a dimensão normativa e contrafactual – a aposta, tal como assinalamos acima – e a dimensão factual da análise empírica das tendências sociais observadas pelo autor. Além disso, Hasenbalg imputa ao livro uma visão dualista da mudança social, como se tradição e modernidade – ou, nos termos de Fernandes, sociedade estamental e de castas e sociedade de classes – fossem compostas por variáveis sistêmicas interligadas e incompatíveis entre si. A nosso ver, concordando com Elide Rugai Bastos, há em A integração a rejeição “de uma explicação linear”, pois é o encontro reiterado dos elementos arcaicos e modernos – e não a superação dos primeiros pelos últimos – que gera, “simultaneamente, o objetivo, a unidade de pesquisa, o desafio à compreensão, a busca de um suporte teórico e o método de investigação” (Bastos, 2002: 186). Vejamos, a título de exemplo, um trecho de “Raça, classe e mobilidade”, um dos capítulos escritos por Hasenbalg em Lugar de negro (1982), livro feito em parceria com Lélia Gonzalez, em que o autor explicitamente dialoga com as teses de Fernandes:

[…] preconceito e discriminação raciais [para Fernandes] são vistos como requisitos do funcionamento de regime escravista, mas como sendo incompatíveis com os fundamentos jurídicos, econômicos e sociais de uma sociedade de classes. A adoção de um modelo normativo de revolução burguesa e de sistema social competitivo leva a uma sobrestimação do potencial democrático e igualitário da sociedade de classes em formação. Isto, junto com a visão do preconceito e discriminação raciais como sobrevivências anacrônicas do passado escravista – destinados portanto a desaparecer com o amadurecimento do capitalismo – levam de forma implícita a um diagnóstico otimista sobre a integração do negro à sociedade de classes (Hasenbalg, 1982: 87).

Esta reserva quanto à interpretação de Hasenbalg do livro de Fernandes não tem intuito polêmico, muito pelo contrário. Cumpre registrar que Discriminação e desigualdades raciais no Brasil foi um elemento decisivo para a reorganização dos estudos sobre relações raciais no país a partir da década de 1980, tendo igualmente forte impacto no ativismo negro[7]. Trata-se, apenas, de reabrir A integração para novas leituras possíveis, e, quem sabe, colocá-lo de volta nos debates contemporâneos referidos não só à questão racial, mas à própria condição da democracia no Brasil. Afinal, a versão que Hasenbalg nos legou de A integração parece estar presente em muitos trabalhos sobre o tema, como podemos ver em contribuições tão distintas como as de Angela Figueiredo (2015), Edward Telles (2014), João Feres Jr. (2006) e Roberto Motta (2000). E mesmo um autor que incorpora positivamente o legado teórico do livro, como Jessé Souza (2006), acaba repisando indiretamente no mesmo problema[8].

Para não deixar dúvidas, cabe lembrar que, para Fernandes, nenhuma sociedade de classes existente, nem mesmo aquelas que teriam experimentado revoluções burguesas clássicas, havia efetivamente logrado a universalização da ordem social competitiva, muito embora, nestes casos, a luta por direitos tenha avançado bem mais do que no Brasil. Como ele mesmo diz, “a história moderna está repleta de exemplos que demonstram que a ordem social competitiva pode ser ajustada, econômica, racial e politicamente, ao monopólio do poder por determinado estoque ‘racial’ (nos exemplos em questão: a ‘raça branca’)” (Fernandes, 2008b: 401). Não há, em Fernandes, uma “idealização” do moderno capitalismo, como ele apresentasse uma afinidade necessária com a realização de uma ordem social democrática. O que ele aponta, sim, é que as formas de estratificação social que organizam a sociedade de classes articulam-se, ao menos potencialmente, com a abertura à competição e ao conflito pelas posições sociais mais vantajosas do sistema social, ao contrário da monopolização da renda, do prestígio e do poder que marcaria uma sociedade de tipo estamental. Se, e somente se, o processo de universalização fosse levado ao seu extremo limite é que poderíamos dizer que a sociedade de classes estaria plenamente realizada.

Em nenhum momento de A integração do negro na sociedade de classes, livro que analisa a formação, a expansão e a diferenciação deste tipo societário na cidade de São Paulo, epicentro da revolução burguesa no Brasil, Fernandes afirma que haveria tendências sociais consistentes no sentido de reverter a concentração racial da renda, de superar a estereotipação negativa dos negros e, associado a estes dois pontos, de colocar em crise a monopolização dos direitos e das garantias sociais da ordem social competitiva pelos brancos. Muito pelo contrário, e sem minimizar, é claro, as inúmeras mudanças ocorridas entre a Abolição e a década de 1960 – arco temporal coberto pelo livro –, o autor demonstra como a cada momento histórico a desigualdade racial herdada do passado se repõe, limitando a luta por direitos e a afirmação autônoma do negro na cena histórica.

Esta proposta de releitura de A integração do negro se beneficia de pesquisas recentes que têm trazido novas luzes sobre o contexto de produção e de recepção da obra, notadamente em relação aos movimentos negros de São Paulo. Nos últimos anos, há o adensamento da discussão sobre o papel desempenhado pelos informantes negros da pesquisa, cujos nomes são mencionados nos agradecimentos do livro: ao secretário da Comissão para o Estudo das Relações Raciais entre Negros e Brancos em S. Paulo, Jorge Prado Teixeira; aos “informantes de côr” (sic), doutores Raul Joviano do Amaral, Edgar Santana, Arlindo Veiga dos Santos, Francisco Lucrécio, Geraldo de Paulo e Ângelo Abaitaguara, e aos senhores José Correia Leite, Geraldo Campos de Oliveira, Francisco Morais, Luis Lobato, professor Antonio Dias, José Pelegrini, Vicente de Paula Custódio, Paulo Luz, Vitalino B. Silva, Mário Vaz Costa, Carlos Assumpção, Romeu Oliveira Pinho, Joaquim Valentim, Nestor Borges, Cirineu Góis, José de Assis Barbosa, Adélio Silveira, Anibal de Oliveira, Luis Aguiar, Benedito Custódio de Almeida, Gil de Carvalho, José Inácio do Rosário, Sofia de Campos, Aparecida Camargo, Nair Pinheiro, e senhoras Benedita Vaz Costa, Maria de Lourdes Rosário, Maria Helena Barbosa, Ruth de Souza e Nilza de Vasconcelos são sujeitos pesquisados e ativos colaboradores (Cuti & Leite, 1992; Cardoso, 2008; Silva, 2013; Campos, 2014; Silva, 2018). Isso permite afirmar que uma chave explicativa da obra é esta construção de um horizonte de interesses partilhados, comum aos sociólogos e intelectuais negros em debater um estado de coisas complicado nos anos 1950 (Silva, 2012; Silva, 2018).

Neste sentido, um dos pontos polêmicos do livro, a denúncia da democracia racial como mito, é também consequência do pensamento no interior de associações de ativistas negros, envoltos em lutas sociais desde a década de 1920, ouvidos na pesquisa Unesco e fornecedores, para Fernandes e assistentes, de histórias de vida, ensaios sociais manuscritos, narrativas taquigrafadas e debates acalorados na antiga Faculdade de Filosofia ou na Biblioteca Municipal. Aqueles sujeitos seriam índices vivos do Povo organizado, confrontando diariamente as possibilidades abertas (e fechadas) no processo sócio-histórico. Os ativistas eram participantes de jornais da imprensa negra paulista (Bastide, 1973; Ferrara, 1986), como Clarim d´Alvorada, Voz da Raça; de associações como Frente Negra Brasileira (1931-1937), Clube Negro de Cultura Social (1928-1932), Associação José do Patrocínio (década de 1940), Irmandade Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos (1711-), Associação dos Negros Brasileiros (1948) e da Associação Cultural do Negro (1954). Esta relação entre sociologia e ativismo no meio negro é uma das mediações contextuais decisivas para se entender de modo mais preciso o sentido da aposta de Fernandes (Silva, 2018).

A fim de demonstrar a validade de nossa releitura de A integração do negro, o restante do texto está dividido em quatro partes. A primeira parte reconstrói os argumentos do autor no que toca à passagem do rural ao urbano, vista em A integração a partir da situação do negro e das relações raciais na cidade de São Paulo. Apesar das especificidades históricas de São Paulo e do grupo negro na cidade, Fernandes entende que este ângulo de observação permitiria iluminar, com notável nitidez, os limites mais gerais da democratização da sociedade brasileira. Do elo mais enfraquecido da corrente, seria possível analisar a estrutura social; da periferia do sistema afere-se melhor o centro[9]. A segunda parte destaca, de modo mais detido, como o autor analisa os modos de socialização experimentados pelo meio negro de São Paulo, quer em condições de pauperismo extremo, quer em situações de mobilidade social ascendente, retendo os efeitos da desigualdade e do preconceito racial em suas formas de interação, de associação e de reivindicação coletiva. Ainda que de diferentes maneiras, Fernandes mostra os limites impostos à autonomia do negro nos dois casos, limitando-o à elaboração de soluções individuais aos dramas coletivos deste grupo social em São Paulo. Nas duas últimas, discutiremos com mais atenção a reconstrução, feita pelo autor, dos movimentos negros em São Paulo, cuja explicação não pode ser dissociada da intensa relação por ele travada com intelectuais e outros segmentos da população negra e das inovações teóricas, metodológicas e empíricas que esta relação trouxe para a discussão sociológica das relações raciais no Brasil.

Os sentidos da mudança social

Vejamos com mais vagar alguns argumentos de A integração do negro. Como esclarece na “Nota explicativa” que abre o livro, a análise desenvolvida, “em sentido literal”, é “um estudo de como o Povo emerge na história” (Fernandes, 2008a: 21). Em termos mais específicos, isto significa colocar ênfase nos “aspectos psicodinâmicos e sociodinâmicos da mobilização do homem da plebe para os papéis sociais e as situações sociais de vida da ordem social competitiva” (Fernandes, 2008: 22), quer dizer, no modo pelo qual os grupos subalternos no Brasil remodelaram seu horizonte cultural e suas formas de agir num contexto de avanço da economia capitalista e de urbanização acelerada. O foco sobre o “drama humano” do negro neste processo é de caráter heurístico: grupo que teve “o pior ponto de partida” para a integração à nova ordem que emergia da “desagregação da ordem social escravocrata e senhorial” (Fernandes, 2008a: 21), a análise de sua situação permitiria apontar com maior clareza os limites da universalização da ordem social competitiva e, com isto, da própria democracia no Brasil. Por fim, a escolha de São Paulo, cidade “que apresenta um desenvolvimento mais intenso, acelerado e homogêneo quanto à elaboração socioeconômica do regime de classes” (Fernandes, 2008a: 22), permitia colocar em evidência, através da reconstrução histórica de um período relativamente curto, todo o complicado processo de ajustamento a um novo estilo de vida urbano e competitivo.

Portanto, a pesquisa em torno da situação do negro em São Paulo, do período que vai da Abolição a meados do século XX, permite apanhar, num só golpe de vista e de maneira concentrada, o processo muito mais amplo, e de significação geral – embora acidentado, irregular e complexo –, de reconversão do homem da plebe, rústico e dependente, em agente social dotado de um estilo de vida urbano e ajustado a uma economia de mercado e às formas democráticas de organização social e do poder. Neste sentido, em A integração há um entrecruzamento entre a discussão sobre relações raciais, que dá nervo e ossatura ao livro, e a reflexão sobre a passagem do rural ao urbano, ambas vistas a partir da situação do negro. O próprio autor via esta combinação da “análise sincrônica com a análise diacrônica” uma de suas principais contribuições ao tema das relações raciais, cujo “modelo usual” se basearia “exclusivamente sobre fatos pertinentes a um dado momento – o que se refere ao lapso de tempo que cai nos limites da pesquisa de campo” (Fernandes, 2008a: 23). Outra inovação, que se associou a esta escolha teórico-metodológica, sobre a qual falaremos mais adiante, foi o amplo aproveitamento de fontes de pesquisa como relatos orais ou relatórios escritos sobre a situação do negro em São Paulo, propiciados pelo contato estreito do autor com membros de associações negras. Este material, ao lado de outros mais convencionais como os disponibilizados pela imprensa – incluindo a imprensa negra –, pelos censos demográficos, pelas estatísticas ocupacionais, pelos documentos oficiais etc., foi decisivo para a reconstrução de um passado recente que se mostrava ainda bastante forte na organização das relações entre brancos e negros nas décadas de 1950 e 1960. Fernandes diz que, “aliás, ainda hoje seria possível descrever ao vivo tais estruturas raciais persistentes” (Fernandes, 2008a: 328, grifos do autor).

Este processo de reconversão do homem rústico em cidadão urbano atingia, segundo o autor, todos os grupos sociais de São Paulo. Longe de qualquer linearidade, o quadro oferecido traz “aspectos contraditórios de uma caótica realidade racial”, uma vez que “o ‘moderno’ e o ‘velho’ coexistem em […] larga escala, às vezes até em comportamentos dos mesmos indivíduos” (Fernandes, 2008a: 24). Tal fato exprimia, por sua vez, o próprio padrão descontínuo e descompassado de mudanças sociais em São Paulo, uma grande cidade ainda provinciana em vários aspectos. Daí a ambivalência da passagem do rural ao urbano, que rebatia não só nas estruturas sociais visíveis, mas também no interior de cada indivíduo ou grupo que experimentava a transição.

Se todos os grupos na cidade de São Paulo traziam consigo, de modo ambíguo ou contraditório, elementos rústicos e urbanos, o modo pelo qual estes elementos se combinaram esteve longe de se mostrar homogêneo. A simples presença na cidade não significaria uma igual exposição às tendências de alargamento do horizonte cultural e a aquisição de um novo estilo de vida. É neste registro que Fernandes contrasta o relativo êxito dos imigrantes europeus face às dificuldades dos negros na ressocialização para a sociedade de classes. Não que os primeiros não continuassem portadores “de uma herança rural”, que “perpetuaram parcialmente”. Contudo, ao assumirem as posições mais dinâmicas que se abriam na economia urbana, seja como operário ou pequeno proprietário, os imigrantes “tiveram chances de se entrosarem, mais ou menos, com as ‘exigências da situação’, modernizando seus estoques de ideias, de comportamentos ou de valores nas áreas vitais à participação vantajosa nas tendências e nos proventos da urbanização” (Fernandes, 2008a: 86, grifos do autor). Já a “participação marginal e improfícua” dos negros “nos papéis socioeconômicos de real importância estratégica” o excluiria tanto dos benefícios da expansão urbana quanto tornaria mais difícil o rompimento, ainda que seletivo, com a cultura rústica.

Portanto, o elemento decisivo para a reconversão do homem rústico da plebe para um estilo urbano de vida seria o “envolvimento social no meio urbano”, especificamente nas atividades que constituíam o fulcro da economia capitalista. A participação apenas ocasional e incerta dos negros nestes novos papéis, completa o autor, “graduou restritivamente e com frequência de modo ‘patológico’ a livre manifestação, a seleção positiva e a reelaboração acumulativa das aptidões humanas básicas do negro e do mulato” (Fernandes, 2008a: 274). Daí que as diferenças, talvez à primeira vista pequenas, entre o negro e o imigrante europeu, ambos de origem rural e na maioria das vezes iletrados, tenham se acumulado ao longo do tempo, cavando um verdadeiro abismo em poucas gerações.

Este privilégio explicativo dado às posições ocupadas na estrutura social, ela mesma em mudança acelerada, não exclui, para Fernandes, a importância de outros fatores. Ainda na comparação entre a situação do negro e dos imigrantes, em que pese a rusticidade de ambos, mostrou-se crucial a diferença que os dois grupos revelavam no que toca ao contrato de trabalho. Aqui, o legado da escravidão teria sido fatal para o negro. Ao passo que o imigrante queria apenas “fazer a América”, com a “ilusão do retorno ao país de origem” contando “mais que qualquer motivação suplementar de prestígio ou considerações sociais” (Fernandes, 2008a: 323) – o que o levava a aproveitar toda oportunidade que aparecia a fim de constituir poupança e acumular riquezas –, o negro ansiava por um tipo de liberdade que não se mostrava mais compatível com as novas exigências da situação:

O negro e o mulato pretendiam as mesmas condições de vida e tratamento concedidas aos imigrantes, porém se obstinavam em repudiar certas tarefas ou, o que era mais grave, o modo de dispor de seu tempo e energias. Assim, a escravidão atingia o seu antigo agente de trabalho no próprio âmago de sua capacidade de se ajustar à ordem social associada ao trabalho livre. Tornava-se difícil ou impossível, para o negro e o mulato, dissociar o contrato de trabalho de transações que envolviam, diretamente, a pessoa humana. Ao contrário do imigrante, que percebia com clareza que somente vendia sua força de trabalho, em dadas condições de prestação de serviços, eles se ajustavam à relação contratual como se estivessem em jogo direitos substantivos sobre a própria pessoa (Fernandes, 2008a: 46).

Estas diferentes “constelações psicossociais” associadas ao negro e ao imigrante exprimiam, portanto, diferentes noções de liberdade, de técnicas corporais e de controle dos impulsos e pulsões básicas, que, sem dúvida, concorreram, segundo Fernandes, para limitar a capacidade de competição dos negros no mercado de trabalho livre. A “noção de que liberdade significava plena disposição da pessoa sobre si mesma”, associada ao “princípio pré-capitalista de que a dedicação ao trabalho deve ser regulada pelas necessidades de consumo do indivíduo com seus dependentes” (Fernandes, 2008a: 88), heranças de uma socialização prévia inadequada à sociedade de classes, teriam sido extremamente nocivas “no contexto de uma crise social convulsiva, em competição intensa com outros agentes econômicos preferidos e sob égide exclusiva da livre-concorrência” (Fernandes, 2008a: 89).

Contudo, Fernandes não atribui à herança cultural da escravidão, que marcou o estilo rústico de vida do negro com atributos que não existiam no contingente imigrado, a principal causa explicativa para a situação de precariedade deste grupo. Ela persistiu, com grande vigor, porque se associou ao processo de pauperização inevitável que acompanhou a passagem do ex-escravo para o trabalho livre num contexto de forte pressão competitiva. Limitado “pelas oportunidades de trabalho fornecidas por formas econômicas pré-capitalistas subsistentes ou por áreas marginais da economia urbana” (Fernandes, 2008a: 270), esta participação em “ocupações flutuantes, descontínuas e infimamente remuneradas” (Fernandes, 2008a: 271), além de condenar a maior parte dos negros à pobreza e à miséria, não permitiu a aquisição de um novo estilo de vida ajustado à ordem emergente. Instado a pertencer apenas às fímbrias da ordem social competitiva, as ocupações incertas, o trabalho precoce e o risco permanente de cair no desemprego sistemático, além de não prepararem “o negro e o mulato para competirem com os brancos na civilização industrial”, igualmente concorriam “para convertê-lo num agente econômico deformado” (Fernandes, 2008a: 187). Quer dizer, foram os processos associados à própria urbanização que deram o esteio decisivo para a insuficiente ressocialização da população negra para as exigências da sociedade de classes. Esta “demora cultural”, termo recorrente usado nas ciências sociais da época, não era simples sobrevivência, pois se articulou com a modernidade em expansão, engatando-se em suas contradições. Com isso, Fernandes pretendia oferecer um quadro interpretativo mais amplo do “drama humano” do negro:

Não é na herança cultural transplantada do mundo rústico nem na insuficiência quantitativa e qualitativa da substituição cultural, tomadas em si mesmas, que se devem procurar os fatores dinâmicos tópicos do desajustamento estrutural do negro e do mulato no meio urbano. Mas nas condições sociais engendradas e mantidas pelo processo de pauperização. Essas condições é que fornecem campo propício à persistência e a influências sociopáticas daquela herança cultural e que restringiram, também com graves consequências sociopáticas, tanto as proporções quanto a regularidade e a intensidade da absorção dos elementos culturais da “civilização urbana”. Isso significa, em outras palavras, que as influências psicológicas e culturais operaram em um campo organizado, estrutural e dinamicamente, por condições, fatores e forças especificamente sociais (Fernandes, 2008a: 272).

Assim, é a pauperização, “fator sociodinâmico essencial” (Fernandes, 2008a: 271, grifos do autor) deste processo, o esteio da combinação persistente de anomia e miséria à qual ficaria submetida grande parte da população negra nas primeiras décadas do século XX. Para Fernandes, esta condição anômica era consequência da desorganização do sistema cultural anterior – que, no caso de São Paulo, era mais grave que em outras partes do país – sem a concomitante absorção adequada das novas técnicas sociais requeridas pela sociedade de classes. A anomia, associada à existência precária na metrópole em expansão, terminaria por “fortalecer, unilateralmente, os ingredientes tóxicos ou destrutivos que elas próprias continham” (Fernandes, 2008a: 274), gerando um verdadeiro “impacto acumulativo” de uma “reação em cadeia”. Neste passo, em vez de existirem tendências sociais voltadas à superação deste isolamento difuso, por parte da população negra, em relação às “estruturas em mudança da sociedade inclusiva”, todas as esferas de ação da “vida social do negro e do mulato acabaram sendo mais ou menos contaminadas pelos influxos sociopáticos de um estado de anomia crônico, antes suscetível de piorar que de se autocorrigir” (Fernandes, 2008a: 275).

É verdade que, para Fernandes, a marginalização do grupo negro seria um “arcaísmo”, legado da herança colonial. Em não poucos momentos, ele afirma claramente que a persistência de representações estereotipadas sobre negro, esteios simbólicos das relações raciais assimétricas entre brancos e negros, seria um fenômeno típico de “demora cultural”. No entanto, tal persistência não seria um simples elemento residual: Fernandes não replica, sem mais, as teses da sociologia da modernização; nem diz que haveria uma incompatibilidade intrínseca entre racismo e industrialismo. Há, pelo contrário, o argumento de que, no fundo, a própria expansão da sociedade de classes se mostra compatível com a condição precária da população negra, reproduzindo assimetrias e desigualdades em vez de revertê-las. Não há, portanto, nenhuma teleologia ao processo de universalização da ordem social competitiva, como parece haver, ainda que de modo sofisticado, na proposição estritamente contemporânea de Talcott Parsons no artigo “Full citizenship for the Negro American?” (1965). Em que pese o tom dubitativo do título do artigo de Parsons, o sentido geral do argumento sinalizava para a pujança dos recursos integrativos da “comunidade societária” norte-americana, posto que os inputs positivos advindos do sistema cultural (ativismo instrumental) e dos sistemas político e econômico (diferenciação e complexificação sistêmicas tensionando estruturas de status “adscritas”) pareciam mais fortes que as reações existentes ao processo de inclusão do negro. Diferenciação, generalização de valor e inclusão seriam, para Parsons, processos interligados aos avanços na capacidade adaptativa dos sistemas no processamento da complexidade social. No caso de Fernandes, ainda que sua abordagem também tivesse como ponto de fuga teórico um processo de plena inclusão, este processo não é naturalizado, mas inquirido de modo contrafactual. Quer dizer: uma vez proposta a concepção de que a sociedade de classes tenderia a universalizar direitos e garantias sociais, Fernandes passa a inquirir sistematicamente os processos sociais que frustram a realização deste potencial democrático, a fim de analisar o que ele chamava de a “qualidade” da mudança social. Os benefícios da modernização poderiam ser “selecionados” ou mesmo “neutralizados” permanentemente[10].

Do “fundo do poço” ao “inferno da ordem”

A consequência decisiva da associação crônica entre anomia e miséria, além da “perpetuação de uma parcela considerável da herança sociocultural transplantada no meio rústico” (Fernandes, 2008a: 284), foi a “carência institucional”, isto é, a pouca eficácia das instituições sociais no meio negro de São Paulo no sentido de regular “o uso de técnicas, de normas e de valores sociais pelos homens” (Fernandes, 2008a: 285, grifos do autor). A principal carência, que se revela mais uma vez na competição com os imigrantes europeus, se localizava na fragilidade da instituição familiar. Não se trata aqui, como salienta o próprio Fernandes, de imaginar que a “família integrada” pudesse “fomentar, por si mesma, as oportunidades de classificação profissional e econômica”. Mas, num contexto de “competição individualista”, completa o autor, “ninguém podia vencer” na ausência de “um mínimo de cooperação e de solidariedade”. Como teria sido típico entre os imigrantes, “entre eles a família servia sempre, direta ou indiretamente, de alicerce à rápida ascensão econômica, social e política” (Fernandes, 2008a: 238). Assim, se o imigrante, tal qual o negro, igualmente experimentava uma transição rápida e abrupta do meio rural ao mundo urbano e competitivo, o reforço da solidariedade familiar para alavancar os negócios neutralizaria parcialmente os efeitos negativos de sua herança cultural ainda em grande medida rústica. Já a “família negra”, por sua vez, “poderia ser definida como uma família incompleta”, constituída basicamente “pela mãe solteira ou sua substituta eventual, quase sempre a avó, e seu filho ou filhos” (Fernandes, 2008a: 240, grifos no original). Este vazio institucional no meio negro de São Paulo, sobretudo a fragilidade dos arranjos familiares, seria, para o autor, “verdadeiramente catastrófica”. Afinal, “numa sociedade de classes ainda em formação, a família vinha a ser o principal e, por vezes, o único ponto de apoio grupal com que contavam os indivíduos” (Fernandes, 2008a: 238).

Sem recursos de natureza institucional, haja vista as debilidades apontadas acima, nem recursos culturais ou psicossociais adequados à sociedade de classes, por conta da herança rústica persistente, os modos de interação no meio negro se limitavam, por assim dizer, aos seus mínimos sociais. Numa espécie de “código do sertão” recriado em pleno meio urbano, Fernandes procura interpretar, de modo bastante agudo, como se organizam as relações sociais quando o único bem tangível a cada um, levado a contar senão consigo mesmo, é a própria pessoa. Nas palavras de Fernandes:

O indivíduo não era adequadamente socializado sequer para lidar com seu corpo e com sua pessoa, expondo-se a riscos que ameaçavam, variavelmente, sua saúde, seu equilíbrio, seus interesses, sua segurança ou sua sobrevivência. Por isso, não é de se estranhar o individualismo agreste, quase cego e desenfreado que transparecia nas relações com os “outros”. Se o “outro” fosse fraco, tímido ou dependente e se agisse como “trouxa”, condenava-se à servidão. A pessoa constituía o único bem facilmente acessível. […] Afastados ou excluídos dos processos normais de acumulação de riqueza, de prestígio e de poder, os “homens de cor” tendiam a aproveitar as relações sociais para se apropriarem das pessoas dos “outros”, como e nos limites em que isso se mostrasse viável. Por isso, a “simbiose” dos sexos e das idades se convertia, com demasiada frequência e facilidade, em “parasitismo” do homem sobre a mulher ou do adulto sobre o menor. Se o “outro” fosse forte, esperto e independente, sabendo além disso impor sua vontade e autoridade, então ele seria temido, acatado e obedecido (Fernandes, 2008a: 286-287).

Este cenário, em que a luta pela sobrevivência na cidade converte as relações com o “outro” em relações de predação, certamente revela uma enorme degradação da pessoa e de sua capacidade de afirmação autônoma. O autor soube capturar com muita acuidade como se estruturam as interações sociais nestas condições-limite, quando os agentes se encontram sob os efeitos de uma espécie de “vácuo social”. As formas de atuação no “fundo do poço”, termo que Fernandes mobiliza frequentemente em seus textos autobiográficos, não é equacionado a um “comportamento social egoístico”, mas a um “individualismo agreste” que constituía “a expressão natural das debilidades da socialização recebida”. A despeito da situação de penúria atingir grande parcela do meio negro, isto é, de ser um fenômeno de alcance coletivo, esta propensão a converter “pessoa em algo exclusivo e à parte” (Fernandes, 2008a: 288, grifos no original) pulverizava os esforços e limitava as relações de “reciprocidade, de solidariedade e de responsabilidade” aos “níveis mais restritos da interação social”, das quais não escapavam nem “mesmo o parentesco e o casamento” (Fernandes, 2008a: 290). E aqueles que conseguiam minimamente escapar deste círculo vicioso de anomia e miséria tampouco concorriam para transformar esta situação, já que “os ‘homens de cor’ em ascensão precisavam se retrair” sob pena de caírem nas malhas dos “‘aproveitadores’, que pretendiam parasitar sobre os parentes ou amigos”, o que terminava provocando, “indiretamente, o individualismo ultra-egoístico e defensivo dos que desejavam resguardar suas possibilidades de ascensão social e de se proteger contra os ‘chupins’”. Consequentemente, aponta o autor, esta “solidariedade ‘rústica’ não ligava senão um número reduzidíssimo de pessoas” (Fernandes, 2008a: 291).

No entanto, Fernandes não deixou de realçar – como ele mesmo diria, num “constante esforço de projeção endopática na situação do negro e do mulato” (Fernandes, 2008a: 26) –, os diferentes prismas desta condição-limite de sociabilidade experimentada pela população negra no começo do século XX. Vale a pena trazer um dos muitos exemplos a partir dos quais o autor procura colocar sob outra perspectiva os aspectos mais dramáticos do desajustamento do negro à sociedade de classes, como no caso das reuniões em bares e botequins. Apesar de suas evidentes conexões com a “desocupação disfarçada involuntária” à qual estava submetida grande parte da população negra, e também de pressupor, em larga medida, uma situação em que os homens se tornam “dependentes sistemáticos da mulher em matéria de alimentação, alojamento e pequenas quantias para as despesas cotidianas” (Fernandes, 2008a: 97) – isto é, relações de parasitismo em relação ao “outro” –, há um esforço em se colocar por dentro do “drama” e em entender as motivações mais profundas dos agentes envolvidos. O trecho abaixo é revelador deste procedimento, recorrente ao longo dos dois volumes de A integração do negro:

O consumo do álcool – embora constante e relevante – aparecia como decorrência natural, como fonte suplementar de prazer e de estimulação. No fundamental, ali os homens (e, eventualmente, também as mulheres) “conversavam”, mostravam-se “gente” e competiam entre si por “consideração” – isto é, pelo respeito, pela admiração e pelo amor dos outros. […] Tratava-se, essencialmente, de corresponder aos desejos básicos da “pessoa humana”, que impulsionavam os indivíduos no sentido de verem reconhecido o seu “valor” e de se sentirem “parte de um grupo”. Porque esses desejos não podiam ser satisfeitos normalmente pela família, pelo grupo de trabalho ou por outros agrupamentos institucionalizados é que se formavam aquelas claques, nas quais a exibição da pessoa, as relações congeniais e a comunicação simpática recebiam o alento das libações alcoólicas (Fernandes, 2008a: 197)

A despeito de descrever um tipo de comportamento social pernicioso para o ajustamento efetivo à sociedade de classes – isto é, para o alargamento do horizonte cultural e para a aquisição de um estilo urbano de vida –, Fernandes não minimiza o que poderia significar a afirmação da própria “pessoa” em uma situação de radical esgarçamento das instituições sociais. E, neste sentido, ele mobiliza outro procedimento constante no livro, que é o de assinalar as polarizações positivas e negativas em cada conexão social assinalada, mesmo que à primeira vista elas não sejam discerníveis ou evidentes. Ainda no exemplo das reuniões em bares e botequins de São Paulo, o autor mostra que estes ambientes serviram “como palco de autorrealização do negro e do mulato”, além de permitir que a “desilusão social” passasse “da experiência concreta para o da verbalização” e que, nalguns casos, fomentasse “alguma inquietação social, encaminhando as primeiras manifestações larvares do inconformismo”. Assim, mesmo que de modo contraditório e muitas vezes devastador, estes grupos “ofereciam canais de expressão de necessidades do ‘negro’ que eram sufocadas ou proscritas pela sociedade inclusiva” (Fernandes, 2008a: 205).

Outro exemplo significativo deste procedimento é a análise que o autor faz da resistência existente no próprio meio negro de São Paulo aos indivíduos que conseguiam escapar do “fundo do poço”. Por um lado, parecia haver um ressentimento contra quem rompia com o círculo vicioso de anomia e miséria, visto que isto implicaria, para aqueles que lá permanecem, a “perda do companheiro” ou que “ele acabará tendo ‘vergonha’ dos seus parentes e amigos” ou ainda que “ficará ‘metido a branco’” (Fernandes, 2008: 281-282). Por outro lado, esta reação, certamente negativa para os impulsos de ascensão social, já que significava também a negação de “qualquer apoio material ou moral, por mínimo que seja”, igualmente envolvia uma espécie de amor “rude”, mal compreendido. Como pontua Fernandes:

Como não existe solidariedade, sequer para fins mais simples, não sabem enfrentar as situações que se criam quando alguém tenta se furtar “à sina do negro”. Não abominam nem hostilizam a pessoa; mas aos seus projetos e às suas ambições, que ameaçam a integridade e a continuidade da “raça”. Portanto, indo-se ao fundo das avaliações e das reações, descobre-se um rude apego amoroso, que enlaça os homens em sua desdita. O ressentimento, a incompreensão e o rancor não deixam, porém, de produzir os seus efeitos. O indivíduo que “quer subir” se vê embaraçosamente isolado, sem ter onde se apoiar ou para quem se voltar, em seus tateios, “por um mundo melhor”. Acaba pensando que “os outros têm inveja dele” e que “entre os negros é assim mesmo – cada um por si e Deus por todos”. No conjunto, graças a esse entrechoque de avaliações contraditórias, torna-se mais fácil “desistir de lutar”, que “ter vontade firme”. O que constitui uma consequência paradoxal, pois aparentemente as influências psicossociais do ambiente deveriam ir na direção oposta (Fernandes, 2008b: 282).

A condição-limite deste tipo de interação social colocaria lado a lado, portanto, princípios contraditórios de conduta, já que, nas reações à ascensão social, estariam amalgamados apego amoroso, incompreensão e ressentimento. O único laço social que parece se apertar conspiraria contra seus próprios membros, puxando para baixo, com “um rancor surdo e invisível”, aqueles que se alçam para além de sua situação de precariedade. O corolário disso é que se levantam muitos obstáculos à mobilidade ascendente, convertendo, de fato, “a ascensão social numa empreitada individual, tão arriscada quanto desprotegida”. O que também seria reforçado, para Fernandes, pelas formas de comportamento adotadas por aqueles que subiam, já que “o êxito na ordem social competitiva servia como uma fonte de sucção”, levando muitas vezes à “redefinição das lealdades dos indivíduos favorecidos em termos altamente exclusivistas e egoísticos, apartando-os do ‘meio negro’ e fechando-os em seus círculos imediatos de convivência”. Em suma, havia pressões concorrentes e contraditórias, vindas tanto de cima quanto de baixo, que reforçavam a separação no meio negro de São Paulo, o que impedia a presença “de canais regulares de comunicação” entre o “negro de brim” e o “negro de elite” que possibilitassem algum “alargamento do horizonte cultural médio”. Ou, dito de outro modo, “as alterações de status socioeconômico somente beneficiavam os indivíduos envolvidos, sendo nulas do ponto de vista da situação e do prestígio da coletividade envolvidos” (Fernandes, 2008a: 292).

Passadas as duas guerras mundiais, a diminuição do fluxo migratório europeu à cidade de São Paulo e a aceleração do crescimento industrial contribuíram para aumentar os espaços disponíveis aos negros nas novas ocupações profissionais que se abriam. Contudo, pondera Fernandes, mesmo neste contexto relativamente mais favorável, “a absorção de negros e de mulatos na estrutura do sistema de classes assume proporções tão limitadas e continuidade tão vacilante, que se mantém, com relativa inflexibilidade, o velho círculo vicioso” (Fernandes, 2008b: 420). Este círculo a que se refere o autor é, para a maioria da população negra, a conexão tóxica entre anomia e miséria, o que em certo sentido até mesmo se agrava na década de 1950. O processo de favelização, que estaria presente, por exemplo, no “impressionante relato de Carolina Maria de Jesus”, mostraria um “lado sombrio da existência do negro”, em que a “fome, a miséria, a doença e a desorganização social” continuariam “a ter plena vigência para uma vasta parcela da ‘população de cor’” (Fernandes, 2008b: 240). Já para as limitadas parcelas que lograram, de modo individual, romper com aquele círculo vicioso, as condições seriam ao mesmo tempo mais animadoras e bastante frustrantes.

Por um lado, elas teriam se sincronizado ao estilo urbano de vida, o que envolvia a superação das “limitações herdadas do mundo pré-capitalista”. Isto se revelava, por exemplo, na aceitação da “disciplinação requerida pelo trabalho assalariado”, visto não mais como “um sucedâneo velado da escravidão”, mas um mecanismo de “formação da poupança ou como mecanismo de ascensão social (pela mobilidade ocupacional vertical)” (Fernandes, 2008b: 211). Por outro, justamente porque a desigualdade racial entre brancos e negros pouco se alterara, o “próprio ‘negro que sobe’” precisa “travar uma luta, ininterrupta e inglória para desfrutar, pessoalmente, parcelas mínimas das prerrogativas polarizadas em torno de suas posições sociais”, uma vez que “a ‘cor’ continua a operar como marca racial e como símbolo de posição social, indicando simultaneamente ‘raça dependente’ e ‘condição social inferior’” (Fernandes, 2008b: 420). Assim, apesar da ascensão social de parte da população negra, a escala ínfima em que foi feita, e de modo apenas individualizado, não contribuiu para reverter as imagens “tradicionais” sobre o negro, tornando o próprio processo de afirmação na ordem social competitiva algo dramático. Graças a esta persistência dos “mecanismos tradicionais de ajustamento ‘racial’, a ascensão social confere ao ‘indivíduo de cor’ as probabilidades de ser qualificado e tratado como exceção que confirma a regra” (Fernandes, 2008b: 394).

Cabe ressaltar que, de acordo com Fernandes, mesmo para aqueles que conseguiam escapar desta verdadeira acumulação de desvantagens, havia ainda outras complicações adicionais. Por exemplo, a combinação perversa e persistente de formas de peneiramento social “racionais” e “tradicionais”. A racionalização econômica e dos processos produtivos não levaria automaticamente à correção destas distorções, isto é, não abriam as posições sociais mais vantajosas independentemente da linha de cor. Pelo contrário, “as técnicas tradicionais de seleção social, que manipulam a cor de forma restritiva e discriminativa” seriam “empregadas conjuntamente com técnicas de peneiramento social racionais, típicas da sociedade de classes” (Fernandes, 2008b: 401). Neste registro, haveria formas “mais profundas e prejudiciais” de “distribuição desigual das oportunidades ocupacionais”, operando “num plano mais amplo e pouco visível”. Nos termos do autor, trata-se de

[…] uma sorte de especialização não declarada, que confina severamente as possibilidades de classificação profissional e de competição econômica do negro e do mulato. Não existe mais um consenso claro sobre “os serviços que devem ser atribuídos aos negros”. Em compensação, duas forças contribuem, espontaneamente, para renovar o status quo ante: 1ª – a propensão do “negro” a se acomodar aos níveis de emprego nos quais encontra aproveitamento ou aceitação fáceis; 2ª – a propensão do “branco” a excluir normalmente o “negro” das ocupações que “exigem responsabilidade”, “espírito de organização” e “capacidade de iniciativa”. / O nosso levantamento nos revelou que os progressos do negro e do mulato se deram numa área neutra. A abundância de empregos, que requeriam mão-de-obra barata e desqualificada ou semiqualificada, contribuiu para incluir considerável parcela da “população de cor” no seio da população economicamente ativa. Contudo, as alterações concernentes ao nível de emprego foram quase insignificantes. Em consequência, os inconvenientes das tendências de peneiramento ocupacional que misturavam “aptidões profissionais” com “qualidades raciais” continuam a persistir com notável clareza (Fernandes, 2008b: 251-252).

Esta especialização negativa, praticamente imposta ao negro que ascende socialmente, mas quase sempre pouco visível em seu funcionamento, exigia do “negro que sobe” um tipo de comportamento bastante específico, voltado justamente para minimizar os efeitos da seleção amparada em critérios “raciais”. Segundo Fernandes, parecia ser necessário para a manutenção do novo status profissional arduamente adquirido “o apego ostensivo a um estilo puritano de vida” (Fernandes, 2008b: 357), de modo que o negro pudesse se expurgar dos “atributos e comportamentos que estigmatizam o ‘preto’ na sociedade inclusiva (como […] ‘ignorante’, ‘malandro’, […] ‘desonesto’ […])”. Assim, havia um “autopoliciamento severo”, que se revelava nos modos “de se vestir”, no “das maneiras, no trato com os colegas, subordinados ou superiores”, “na correção dos hábitos, das ações, das lealdades dos ideais de vida etc.” (Fernandes, 2008b: 357-358). O que não deixa de ser dramático, pois o processo de ascensão social despertava, portanto, a “consciência de que a posição social do ‘negro’ é contínua e sub-repticiamente ameaçada pela ‘cor’”, e ainda colocava em evidência que “a representação do ‘preto’ construída pelo ‘branco’ constitui a principal ameaça à fruição dos papéis ou direitos conferidos pela posição adquirida”. Neste sentido, “o grosso dos ‘negros que sobem’” são levados “a se comportar, literalmente, como o ‘antipreto’” (Fernandes, 2008b: 376).

Outro corolário desta “interpenetração entre mecanismos tradicionalistas e competitivos de ajustamento ‘racial’” (Fernandes, 2008b: 396), que fragiliza a progressão “normal” da carreira por parte do negro que ascende socialmente, é um tipo de conduta que parece exigir um “verdadeiro talento de ator”, isto é, uma “modalidade de comportamento inteligente demasiado complexa e desgastadora”, com um “elevado domínio das próprias emoções” (Fernandes, 2008b: 354). A fim de separar o que é fruto da seleção racial ultrasseletiva e o que é fruto do seu próprio comportamento, e não recair nas armadilhas do “complexo”[11], o negro desenvolve um código que compreenderia duas regras gerais:

[…] 1º – “nunca explodir” – ficar imperturbável, “sem se precipitar”, “sem perder as estribeiras” e, principalmente, “sem pagar o pato” por um deslize momentâneo ou imprevistos inevitáveis; 2º – “tirar o máximo de proveito da boa vontade e da má vontade dos brancos”, pois ambas produzem dividendos – a tática, aí, consiste em relacionar os motivos das ações dos “brancos” com as manifestações previsíveis do “preconceito de cor”, para “conhecer o terreno em que se pisa” e para “tirar partido”, se preciso aproveitando a própria “inferioridade”, no desenrolar das ações e relações sociais (Fernandes, 2008b: 353).

Estas formas de conduta, que fazem com que o negro que ascende socialmente experimente não mais o “fundo do poço”, mas o “inferno da ordem” (Fernandes, 2008b: 486), por suas exigências elevadas, teriam sido efetivamente aproveitadas por “só um reduzido número”. Percebe-se, pois, como a reconstrução do “drama humano” presente em A integração do negro não se limita às populações de condição social ínfima, mas também atinge em cheio o “negro de classe média” ou mesmo o “negro de elite”, cujas veredas de afirmação do mundo, já reduzidas, estreitam-se ainda mais sob o peso sufocante das imagens raciais que circulam socialmente.

A consequência fatal destas formas de peneiramento econômico e social ainda “racialmente” orientadas, associadas às conexões de sentido que discutimos rapidamente acima, é, de acordo com Fernandes, o fechamento do horizonte do negro que ascende socialmente aos alvos mais imediatos e à escala unicamente individual. O cálculo racional e individualista exigido para abrir espaços – de saída já bastante exíguos –, apesar de seu enorme refinamento caso confrontado com o “individualismo agreste” do negro pobre, não chegaria a se conectar com processos de reversão da desigualdade racial da riqueza, do prestígio e do poder. No lugar da transformação social, “certos estratos da ‘população de cor’ pretendem se projetar nas ‘estruturas existentes’” (Fernandes, 2008b: 199), aproveitando-se das “ambiguidades e ambivalências” do “sistema de ordenação das relações ‘raciais’” no Brasil, que “sempre foi parcialmente aberta” para a ascensão individual de negros e mulatos, “tanto sob a égide do regime de castas, quanto sob a do regime de classes” (Fernandes, 2008b: 384). Vivendo “no presente”, isto é, rejeitando tanto a “acomodação passiva” e o “antigo código de relações raciais”, mas igualmente desencantado “com grandes promessas para um futuro remoto” (Fernandes, 2008b: 233), que eram oferecidas pelo protesto coletivo, o “negro que sobe” acaba esbarrando nos próprios limites deste tipo de ajustamento social.

Assim, o ponto decisivo para o qual chama a atenção Fernandes é o caráter limitado das soluções individuais para a solução do problema coletivo do negro. O negro que ascende socialmente, tendo “optado por uma vida tão realista quanto oportunista”, “terminou voltando as costas seja para os movimentos reivindicatórios, seja para os interesses comuns da ‘coletividade negra’” (Fernandes, 2008b: 418). O problema é que, sem a reversão do padrão mais geral de concentração racial da renda, do prestígio social e do poder, o círculo vicioso que associa cor e posição social inferior continua a operar. E, neste registro, em que pese a importância dos “mecanismos de ascensão social do negro”, que passava a se afirmar “na esfera do trabalho livre e nas posições heteronômicas da pirâmide ocupacional” (Fernandes, 2008b: 417), o processo mais amplo de “democratização das relações raciais” caminhava ainda “como um processo histórico-social extremamente heterogêneo, lento e descontínuo” (Fernandes, 2008b: 416).

Daí a importância, na reconstrução de A integração do negro, dos movimentos sociais no meio negro de São Paulo. Embora o autor assinale que o “protesto coletivo do ‘negro’, através dos movimentos reivindicatórios”, tenha talvez levado suas exigências “demasiado longe”, não encontrando “eco entre os ‘brancos’” e contagiando somente “pequenas parcelas da ‘população de cor’” (Fernandes, 2008b: 417), somente a ação coletiva do negro teria colocado, nos termos adequados, a opção democrática ao “dilema racial brasileiro” (Fernandes, 2008b: 567ss). Afinal, esta reivindicação

[…] punha em xeque os padrões estabelecidos de concentração racial da renda, do prestígio social e do poder, pois pretendia a universalização, ex abrupto, dos interesses econômicos, das garantias sociais e dos valores culturais em que se fundam a legitimidade e o equilíbrio da ordem social competitiva. Assim, o “problema do negro” se equacionava no próprio plano dos requisitos ideais da integração e do funcionamento do regime de classes, imprimindo às agitações raciais o caráter de luta organizada e consciente pela igualdade entre as “raças” (Fernandes, 2008b: 416).

O associativismo negro, para Fernandes, teria colocado no centro da discussão a necessidade de universalização da ordem social competitiva, único meio de se garantir plena eficácia aos dinamismos democratizantes da sociedade de classes. A profunda indiferença em relação a estes movimentos por parte da sociedade inclusiva revela, ao contrário, que as tendências sociais em curso na sociedade brasileira não se associavam à realização deste potencial emancipatório, mas à continuidade da desigualdade racial[12]. Não há, portanto, um otimismo do autor no que toca à superação futura tanto do preconceito quanto das assimetrias entre brancos e negros. Isto só seria possível se, e somente se, o protagonismo do negro, ou melhor, do “povo”, não tivesse sido sufocado, neutralizado ou mesmo reprimido.

Mas por que os subalternos não se insurgem?

Na terceira edição publicada de A Integração do negro, pela editora Ática, o livro recebeu, em sua contracapa, a chamada de “A tragédia de um povo”. A questão sociológica do trágico é que ela informa uma visão social de mundo que não encontra condições de realização; portanto, sem saída. Trágico estar no mundo, tal qual ele se concretiza, e não encontrar um lugar nele (Goldmann, 1955)[13]. Se há, em A Integração, uma marcha de argumentos que leve à visão negativa do processo de formação da sociedade de classes no Brasil, isso não parece significar, necessariamente, uma negação absoluta desta sociedade. A história, de fato, foi operacionalizada como tragédia e nela existiram sujeitos condenados. Mas, esses também foram e são agentes de seu devir – e aí, portanto, residiria um tenso horizonte de possibilidades em aberto.

Isto não lhe impediu de perguntar: “como se explica a tolerância prolongada do negro e do mulato a condições tão devastadoras, humilhantes e indesejáveis de existência social?” (Fernandes, 2008a: 269). Creditar-se-ia a uma suposta apatia do negro, como se veiculava no senso comum? Ou a reminiscências do antigo regime? A hipótese demonstrada foi a de que, se a cidade não se modificara uniforme e simultaneamente com a ordem social competitiva, os sujeitos sociais, suas instituições e representações coletivas também não. À imagem do negro cidadão, durante muito tempo após a Abolição, esteve inscrita na pele como uma armadura de ferro, a figura do preto escravo. E à do branco, o senhor, benigno, e polo dominante, que tudo podia.

Informado pelas denúncias dos intelectuais negros, que através de seus jornais e associações, escancaravam o estado das coisas, Fernandes afirma que um mecanismo de amortecimento das tensões latentes e de estabilização daquelas imagens se dá através do mito da democracia racial. Discussão que ocupa algo em torno de 16 páginas no livro, a depender da edição, e se tornou um debate sociológico clássico, socialmente polêmico, que ainda alcança os dias correntes em diferentes circunstâncias, seja organização de diferentes visões de frações de movimentos negros ou nas disputas contemporâneas acerca da necessidade de ações afirmativas para o ensino superior, ou acerca das absurdas taxas de letalidade contra a vida negra no Brasil, entre outros. Trata-se, portanto, de questão irresoluta.

Originalmente, Fernandes argumenta que o mito da democracia racial é próprio da sociedade republicana, pois não faria sentido no antigo regime. Onde a igualdade jurídica perante a lei se processa como um princípio, se fortalece, por outro lado, a hegemonia de um grupo sobre o outro, do branco sobre o negro. Nesse sentido, como correção à inaplicabilidade da norma formal, o mito operaria ao menos cinco representações coletivas de abrandamento do conflito e teria três funções a se esclarecer analiticamente, a saber:

Primeiro, generalizou um estado de espírito farisaico, que permitia atribuir à incapacidade ou à irresponsabilidade do “negro” os dramas humanos da “população de cor” da cidade […]Segundo, isentou o “branco” de qualquer obrigação, responsabilidade ou solidariedade morais de alcance social e de natureza coletiva […] Terceiro, revitalizou a técnica de focalizar e avaliar as relações entre “negros” e “brancos” através de exterioridades e aparências dos ajustamentos raciais, forjando uma consciência falsa da realidade racial brasileira […] (Fernandes, 2008a:311).

Uma quarta função seria a manutenção do status quo. Antes que se lembre o oposto sociológico mais conhecido de Fernandes, é necessário esclarecer que o mito opera como mecanismo de amortecimento precedendo sua formulação numa obra. Plasma uma visão social de mundo difundida seja entre o grupo dominante como entre parte do grupo dominado. Sem ter isto em vista, torna-se incompreensível parte do insucesso dos ativistas e intelectuais negros em suas contínuas tentativas de organização do grupo social que procuram representar. “Racismo não existe no Brasil, vivemos uma sociedade diversa e democracia racial”, frase comumente ouvida até nossos dias do século XXI, apesar dos dados oficiais e de denúncia dos movimentos negros. Vivemos uma sociedade que tem preconceito de ter preconceitos, sendo o mais forte deles o de caráter racista.

Dos pontos mais edulcorados (memórias de amas negras ou empregadas domésticas longevas, sem legislação de trabalho) aos mais cruéis (como o da crítica à “negrada”, por Paulo Duarte, em 1947; ao genocídio do negro brasileiro, denunciado por Abdias Nascimento em 1977, e ainda em curso), o mito organiza e hierarquiza a relação entre os grupos sociais, criando lugares estanques, com aparência de mobilidade: do “quase da família” ao “negro de alma branca”; do “todos com pé na cozinha” ao “discurso da mistura plural e da diversidade cultural”. Em suma, ele, desde sempre, mascara o problema da desigualdade do poder, consequentemente, da construção problemática da democracia, colocando-lhe um limite objetivo em sua – nossa – desfaçatez.

[…] Uma democracia não pode funcionar sem um mínimo de equilíbrio e de autonomia nas relações das categorias sociais associadas pela ordem societária imperante. […] Os resultados desta breve análise retrospectiva demonstram que as condições de perpetuação parcial das antigas formas de dominação patrimonialista estão na própria raiz do desiquilíbrio que se criou (e se acentuou progressivamente em seguida), entre a ordem racial e a ordem social da sociedade de classes. A democracia surgiu tímida e debilitada em nosso meio. […] ideológica e utopicamente ela forneceu, no início, um palco histórico exclusivo aos poucos grupos sociais que estavam organizados, possuíam técnicas apropriadas para exercer dominação e autoridade, e lutavam sem vacilações pelo monopólio do poder (se preciso, sob o manto dos “ideais democráticos”). O atraso da ordem racial ficou, assim, como um resíduo do antigo regime e só poderá ser eliminado, no futuro, pelos efeitos indiretos da normalização progressiva do estilo democrático de vida e da ordem social correspondente. Enquanto isso não se der, não haverá sincronização possível entre a ordem racial e a ordem social existentes. Os “brancos” constituirão a “raça dominante” e os “negros” a “raça submetida”. […] o referido mito converteu-se numa formidável barreira ao progresso e à autonomia do “homem de cor” – ou seja, ao advento da democracia racial no Brasil (Fernandes, 2008a:325-327).

Este é um salto analítico formidável que Fernandes realiza, inclusive em relação aos seus próprios informantes, uma vez que a crítica à democracia racial entre eles opera no nível imediato das relações sociais racializadas, na interação face a face ou no confronto com as instituições sociais (escolas, repartições públicas, clubes etc.) – quer dizer, no confronto quotidiano com o racismo vigente, com as manifestações de preconceito e discriminação raciais. Mas não necessariamente à ordem social competitiva. Operam como campeões da revolução dentro da ordem (Fernandes, 1978b:11), portanto, heroicamente se propõem a ser reformadores da nova ordem social. O negro, no Brasil, é um dos grandes agentes reformadores da cidadania e da sociedade de classes, pois é um lutador incansável por seus direitos (civis, sociais e políticos) desde antes da Abolição. A radicalidade da crítica à resistência “sociopática” à mudança social com democracia, da parte das classes dominantes, é o sociólogo quem realiza. Embora experimentem seus efeitos, sem deslindar os mecanismos que o prendem, como o subalterno poderia se insurgir?

No limiar de uma nova era: assertividade e aposta

“Brancos”, “negros”, “pretos”, “mulatos”, “raça branca”, “raça”, “meio negro” entre outras expressões aparecem sempre entre aspas na formulação do autor. Apenas sinal gráfico de realce ou algo mais? Em contraste, o subtítulo do segundo volume tem uma ideia assertiva. O que isso pode sugerir? Gabriel Cohn chama atenção a isso:

Mas que ninguém leve essas expressões ao pé da letra. Todas elas designam algo de problemático na sociedade brasileira. Problemática é a integração do negro; problemático é o legado que se examina, que não é o do negro, mas o da “raça branca” (entre aspas); problemática é a constituição da sociedade de classes. Mas será também problemático o “limiar de uma nova era”, que o subtítulo do segundo volume aparentemente proclama num tom que lembra o clarim que deu nome ao principal órgão da imprensa negra? (Cohn, 2001: 387-388).

Categorias analíticas em suspensão, com sua existência no mundo social igualmente marcada por oscilações que, individualmente, frustram um projeto coletivo de mudança real. Da passagem do escravo ao cidadão, capítulo do trabalho anterior[14] para este livro agora, o problema da cidadania se complexifica, a ponto dos grupos e as relações sociais racializadas que estabelecem sejam perscrutadas com mais desconfiança, compondo o cenário posterior à Segunda Guerra Mundial, em que a Unesco patrocina pesquisa sobre relações raciais, ao mesmo passo em que promove conclave de intelectuais para debater a validade científica da ideia de raça, jogando-a por terra, num momento alto das Ciências Sociais com o texto Raça e História, de Claude Lévi-Strauss (1952 [1970]).

Em A integração, “brancos”, “negros”, “mulatos” não se realizam como cidadãos completos, se os direitos de uns estiverem tolhidos pelos dos outros, tornando-se limites objetivos de si e da sociedade. Sendo a ordem social competitiva um fato em processo, sua inadiável reforma é o que está em jogo; tarefa história imposta a Os movimentos sociais no “meio negro”, alvo de análise detida de grande parte do segundo volume, observando seu surgimento, ideias, alcances e limites.

Não bastaria que o negro denunciasse a democracia racial e a cidadania como mentiras: o branco, por sua vez, teria que aceitar a denúncia e igualmente desacreditar o mito. A atualidade disso para ainda hoje é enorme: falamos continuamente a respeito de não bastar ao branco ser contra o racismo, mas também ser antirracista e solidário à causa negra antirracista (e citamos ativistas estadunidenses, como referências). Porém, esta formulação já se encontrava no Brasil ao menos desde os anos 1950. A radicalidade da reforma não seria satisfeita, por exemplo, no texto vacilante da Lei Afonso Arinos (de 03 de julho de 1951), tornando a discriminação de cunho racial em espaços públicos contravenção. Os ativistas e intelectuais negros denunciam-na como limitada (Cuti & Leite, 1992), num contexto em que se colocam como tarefa o adestramento do negro – ideia presente nos propósitos da Frente Negra Brasileira (1931-1937), em Abdias do Nascimento ao se referir ao Teatro Experimental do Negro (1944), na organização Congresso do Negro Brasileiro (1950) (Nascimento, 1982). Educar e organizar o negro socialmente, como um lutador antirracista, no ambiente das associações significa, também, fazer o mesmo com o branco, sem o qual a reforma da ordem não se concretizaria: “o ‘negro’ jamais poderia ter êxito sem a compreensão, a cooperação e a solidariedade do ‘branco’” (Fernandes, 2008b: 10).

Está colocado em pauta o problema da ressocialização contra a discriminação e o preconceito, de brancos e negros, na nova ordem social. No caso dos últimos, este papel foi desempenhado historicamente por associações, irmandades religiosas, terreiros de candomblé e umbanda, clubes recreativos (clubes negros, associações beneficentes, de bailes e de características sindicais) com funções reivindicatórias de direitos de cidadania: ir e vir, ao lazer, à educação, seguridade social, moradia digna, à vida. A concretude desse caminho é expressa nas memórias de um dos principais interlocutores de Fernandes, o ativista autodidata José Correia Leite (1900-1989), ao narrar, da década 1920 a 1960 diferentes aspectos e histórias dessas tentativas, expressas, por exemplo, no subtítulo de um dos jornais que ajudou a fundar, O Clarim d´Alvorada. De literário, noticioso e humorístico, torna-se noticioso, literário e de combate (Cuti & Leite, 1992: 33-43).

Emergido na história e com seus propósitos definidos entre intelectuais orgânicos, quais são os limites de realização do povo, no caso, o negro? Na marcha dos argumentos, o problema da resistência sociopática à mudança, aliada ao mito da democracia racial, explicita, para o grupo negro, um duplo aspecto constritor. Tratava-se de um pequeno grupo, o de intelectuais e ativistas negros, em meio a associações de vida sazonal, sendo raras a que durassem uma década, compostas por afiliados majoritariamente pouco instruídos e com pouco poder aquisitivo. Destarte,

[…] essa massa podia ser um ingrediente explosivo, se os movimentos fossem socialmente revolucionários. Como eles aceitavam a ordem social existente, parando suas reivindicações no limiar da repartição dos pães, e com eles não encontravam eco dentro dessa mesma ordem – pois os “brancos” não se dispuseram nem a ouvir nem a entender as reivindicações e o “protesto negro” – não estavam em condições de aproveitar essa massa e de conduzi-la aos objetivos apregoados […] Exerceriam enorme influência construtiva sobre a “população de cor”. Mas, ficariam condenados a desempenhar um papel de entreato, pois não podiam ir além […]” (Fernandes, 2008b: 80-81).

Um desejo de querer coletivo dentro da ordem, por mais abnegado que fosse, não se traduzia, necessariamente, em poder coletivo, sem o compromisso antirracista geral, brancos inclusos. No período em tela, da Frente Negra Brasileira, passando por jornais como Alvorada, Novo Horizonte, Senzala, Mutirão, aos primórdios da Associação Cultural do Negro, em São Paulo, essa máxima se torna realidade. Criados e recriados, por vezes, pelos mesmos círculos de militantes; envoltos em disputas de projetos políticos contraditórios, que poderiam se tornar ascensões individualistas, tornando grupos acéfalos, é lapidar a pergunta do autor: “[…] Onde a cooperação é tão difícil, como organiza-se um grupo de pressão ou um grupo de conflito?” (Fernandes, 2008b: 91).

Em reconstrução permanente, a luta por direitos precisa ser continuamente ritualizada coletiva e historicamente. A memória social que recupere o protagonismo do negro precisa ser acionada. Ela reconfigura o passado, tornando-se um campo de luta. Acionando datas como o 28 de Setembro (assinatura da Lei do Ventre Livre, reconvertida no Dia da Mãe Negra), o 13 de Maio (que passa da Lei Áurea para palavra de ordem Segunda Abolição); ou figuras como José do Patrocínio, Luiz Gama (e também Antônio Bento, com seus caifazes), dentre outros, ocorre, simultaneamente, a ressignificação do lugar desse povo na história social e a reivindicação pelos direitos acionados por suas memórias. A atualidade disso acompanha décadas de reivindicações de movimentos negros que culminam na conquista de uma Fundação Cultural Palmares, em 1988, voltada para a valorização do patrimônio cultural negro brasileiro e reconhecimento de terras quilombolas; ou da Lei para ensino de História Afro-Brasileira e Africana, em 2003, de maneira abrangente nos currículos escolares, modificando o ensino fundamental, médio e superior, dentre outras conquistas. A reforma do status quo, angulada assim, “constituía um princípio subversivo e que, nesse ponto, impunha-se ‘pôr a negrada em seu lugar’. […] Penetra, desse modo, em uma nova era histórica para a ‘população de cor’ na cidade de São Paulo, afirmando-se como homem livre e como cidadão […]” (Fernandes, 2008b: 133-134).

Do liberto ao cidadão; do eito do mundo rural e lavoura para a fábrica, repartições públicas, cidade, profissões liberais; dos cortiços e porões para os bairros médios, periféricos e favelas emergentes: nos anos 1950, se a ordem social competitiva se expande e o capitalismo tinha operado até então com aspectos emancipatórios, seus custos sociais coletivamente partilhados não são menores. Mesmo que estratificado nas posições subalternas – com as honrosas exceções, confirmantes da regra – o negro penetrou na sociedade de classes. Este ponto parece ser um dos grandes momentos de tensão do segundo volume, inaugurado com o debate sobre as Impulsões igualitárias de integração social (capítulo 2).

Aqui aparecem o tema da metropolização de São Paulo e o lugar dos sujeitos sociais nela; um longo debate sobre os significados dos associativismos negros face à ascensão individual de indivíduos; o tema das favelas, nascentes no começo dos anos 1940 na capital paulista e que se tornam uma consequência da lógica desenvolvimentista – o autor cita, inclusive como uma de suas fontes o famoso Quarto de Despejo, diário de Carolina Maria de Jesus (1960). Mesmo sendo a desigualdade social um fato, corolário de seus argumentos, ele dirá:

A principal barreira à ascensão social do negro e do mulato é de natureza estrutural. Se a passagem para a ordem social competitiva se desse de forma rápida e homogênea, do ponto de vista da absorção dos estoques raciais em presença, teria desaparecido o paralelismo entre “raça negra” e “posição social inferior” […] Como isso não ocorreu, a diferença entre a situação de contato racial imperante na década de 50 e a que existia no período de 1900-1930 é meramente de grau. Em outras palavras, a expansão da ordem social competitiva adquiriu densidade e intensidade suficientes para se refletir no plano das relações raciais. O padrão tradicionalista de relação racial assimétrica começou a entrar em crise irreversível e, com ele, o mencionado paralelismo entre a estratificação racial e a hierarquia social da sociedade paulistana. Note-se, porém: apenas começou a entrar em crise. O que quer dizer que estamos, ainda, próximos do passado, que dá imagem de uma democracia racial incipiente e imperfeita. Doutro lado, o que irá acontecer no futuro depende de condições e fatores histórico-sociais incertos e, a julgar pelo presente, de continuidade ou de alcance imprevisíveis (Florestan, 2008b: 236-237).

Curto circuito e círculo fechado?[15]

Não é incomum encontrar nas linhas de A integração do negro a palavra “drama”. Ela vem a calhar ao pensar na conjunção de texto e contexto, na fatura da obra e suas condições sociais de produção. Os desafios impostos ao negro, nos anos 1950 e 1960, são metonímias, expressões nítidas e condensadas, dos dilemas mais gerais da nossa realização democrática. A história e seu desenrolar, que são conhecidos mais de 50 anos depois do golpe de estado civil-militar em 1964 qualificam sobremaneira o sentido da aposta dramática que se encerra, tanto nas linhas do livro quanto na atuação do sociólogo, dos intelectuais e ativistas negros e dos setores mais progressistas da sociedade brasileira de então.

Abrindo-se a sociedade de classes, no entanto, pode acontecer uma modernização sem mudanças estruturais nas formas de desigualdade – o que tornaria cada vez mais possível golpes de modernização sem democracia. Esse diagnóstico da realidade está apontado em A integração do negro. Sofrendo pressões pela integração racial – mas não apenas[16] – aquela sociedade não se abria, efetivamente, pela disputa do poder – o que leva a formulação, pelo autor, de que haveria uma condição quase monolítica de dominação pelos círculos dirigentes brancos (Fernandes, 2008b: 416). Dado o tamanho da pressão dos subalternos, passariam alguns temas e indivíduos por uma estreita brecha, mas não se configuraria numa solução grupal dos problemas de concentração de renda, desigualdade de poder ou prestígio social.

Ou seja: chegou-se a um impasse, exigente de um desfecho. Mantidas irresolutas as questões do passado que nos formou, “não teremos uma democracia racial e, tampouco, uma democracia. Por um paradoxo da história, o ‘negro’ converteu-se, em nossa era, na pedra de toque da nossa capacidade de forjar nos trópicos este suporte de civilização moderna” (Fernandes, 2008b: 576). Desta maneira, o autor encerra o livro sem uma solução precisa que se encontre em outro lugar que não na ação do povo, o negro, como protagonista; o branco como antirracista.

O problema final do livro se revela atual ainda em 2020: “Enquanto houver racismo, não haverá democracia”, “Com racismo não há democracia” são lemas de uma Coalização Negra por Direitos, que aglutina diferentes expressões contemporâneas do movimento negro brasileiro (Silva, 2020). Dentre as várias influências de leituras e caminhos intelectuais percorridos por esses ativistas e intelectuais, negras e negros, teria sido A integração do negro na sociedade de classes uma fonte de inspiração? É possível, uma vez que alguns são militantes desde a época da criação do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNU), em 1978 (ano de reedição da obra), leitora crítica das obras de Florestan Fernandes. Outros foram contemporâneos de sua atuação como docente na PUC-SP e como parlamentar na formulação de uma nova Constituição, nos anos 1980. E os mais jovens podem ter lido criticamente seus trabalhos, pelas lentes dos que os antecederam e num novo cenário de ações afirmativas nas universidades brasileiras. A circulação social da obra e seus impactos contemporâneos é uma pesquisa a ser feita.


Notas

[1] Para uma análise detalhada das inovações realizadas por Florestan Fernandes e seu grupo na Universidade de São Paulo em relação aos limites da noção de “ordem social” rotinizada no léxico estrutural-funcionalista dominante no período, cf. Bastos (1996) e Cohn (2015).

[2] Cf., para um aprofundamento analítico da categoria “autocracia burguesa”, o prefácio escrito por André Botelho e Antonio Brasil Jr. e a entrevista concedida por Gabriel Cohn a Bernardo Ricupero e Leonardo Belinelli à nova edição de A revolução burguesa no Brasil, editada em 2020 pela Contracorrente. Cf. também Brasil Jr. (2020b).

[3] O tema da “aposta impossível” de Florestan também foi desenvolvida em Brasil Jr. (2020a).

[4] Para algumas reflexões que testam o potencial de interpelação contemporânea da sociologia de Florestan Fernandes, cf. Arruda (2018), Botelho & Brasil Jr. & Hoelz (2018), Brasil Jr & Botelho (2017) e Silva (2018).

[5] A relação da obra de Florestan Fernandes com as interpretações anteriores da sociedade brasileira foi estudada em Ricupero (2011).

[6] Para uma análise mais ampla e comparativa a respeito da aclimatação crítica e criativa que Florestan Fernandes realiza das teses àquela altura dominantes sobre a mudança social, cf. Brasil Jr. (2013). Uma discussão sobre a noção de “integração” em Florestan se encontra em Mariosa (2019).

[7] Há duas formas de aferir isto: uma é o livro de Cuti e Fernandes (2002), que no começo dos anos 2000 fez um levantamento com os principais livros influenciadores de alguns ativistas e intelectuais negros. Os trabalhos de Florestan Fernandes e Carlos Hasenbalg estão listados, dentre outros intelectuais. A outra forma é o livro de Alberti e Pereira (2007), que realizou pesquisa em história oral com intelectuais negros que a partir dos anos 1970 têm moldado o ativismo no Brasil, em diferentes frentes. Novamente, as influências teóricas estão ali apresentadas e esses autores e suas obras figuram.

[8] Jessé Souza, em A invisibilidade da desigualdade brasileira (2006), incorpora centralmente, enquanto referência teórica, A integração do negro. À primeira vista, Souza faz uma leitura muito diferente em relação à interpretação de Carlos Hasenbalg, mas recai nos mesmos problemas (de acordo com nosso argumento). Para Souza, Fernandes acerta ao colocar o problema da “ralé estrutural” como a produção social de uma estrutura de disposições específica, gerada por processos problemáticos de socialização. Porém, ainda segundo Souza, Fernandes incorreria em uma série de ambiguidades ao “confundir”, em certos momentos, a produção de um habitus precário com a questão do racismo, levando a crer, que, ao longo do tempo, estes problemas seriam eliminados, posto que simples arcaísmos. Assim, Souza compartilha com Hasebalg a atribuição de uma perspectiva linear de mudança social ao livro de Fernandes. Para ele, ainda, um dos principais problemas do livro seria justamente a confusão entre o problema mais geral da produção da ralé estrutural e a questão racial no Brasil, já que os processos sociais descritos por Florestan seriam generalizáveis para o branco pobre da ralé. Sim, é verdade que os processos problemáticos de socialização atingiriam os demais grupos pobres – e Fernandes reconhece isso explicitamente. Porém, sem enfrentar o segundo volume de A integração, em que o autor mostra que a linha de cor continua a operar fortemente para os que conseguem remodelar suas personalidades de acordo com as exigências da sociedade de classes, Souza acaba minimizando a importância da questão racial para o entendimento das desigualdades sociais.

[9] Elide Rugai Bastos sugere a existência de uma unidade metodológica em Fernandes e seus discípulos, que opera a ideia de atraso e periferia como forma explicativa da história social brasileira. Cf. Bastos (2002).

[10] Para uma análise mais ampla da comparação entre os argumentos de Florestan Fernandes e Talcott Parsons, cf. Brasil Jr. (2013).

[11] Apoiando-se nas explicações oferecidas pelos informantes negros, assim se refere Fernandes ao “complexo”: “Com notável objetividade, insinuam que desse modo o próprio ‘negro’ se põe ‘à margem da sociedade’, apegando-se a atitudes e a comportamentos que já podem ser superados, com ou sem anuência dos ‘brancos’. De outro, interpretam-no como uma técnica de ajustamento. Sabem que, para a maioria, ele constitui uma ‘desculpa’ ou uma ‘justificação’ para os ‘fracassos’ ou os ‘desapontamentos’. É mais fácil dizer que o preconceito é responsável por isto ou por aquilo, que admitir uma realidade chocante, envolvendo as aptidões do indivíduo para se ajustar às exigências da situação. Sabem que, em alguns, ele não passa de ‘esperteza’, um meio malicioso de ‘tirar o corpo’ de experiências desagradáveis” (Fernandes, 2008b: 271). Para uma análise mais ampla de como Florestan Fernandes cruzava as perspectivas sociopsicológicas e socioculturais em A integração, cf. Bueno (2017).

[12] Para uma análise comparada deste aspecto ainda pouco discutido da sociologia política de Florestan Fernandes, cf. Brasil Jr. & Botelho (2016).

[13] O tema da tragédia é pensado por Lucien Goldmann na análise das Pensées de Blaise Pascal, face à ascensão do racionalismo cartesiano e às mudanças no interior da Igreja. Um mundo que se alterava radicalmente no século XVII, inclusive no que dizia respeito à moral religiosa e a certeza sobre os desígnios e existência divina, teriam colocado diante de Pascal e do movimento jansenista discussões de monta insuperável. Assim, para Lucien Goldmann, a visão social de mundo dos jansenistas se teria conformado em trágica, levando o sociólogo a discuti-la e teorizar sobre o assunto mais amplo.

[14] Referimo-nos ao relatório Relações raciais entre negros e brancos em São Paulo, de 1955, que reuniu as contribuições do projeto Unesco/Editora Anhembi sobre as relações raciais em São Paulo. Para uma análise do relatório e de A integração do negro, cf. Bastos (2015).

[15] A categoria “circuito fechado” é central na sociologia de Florestan Fernandes e recebeu análise detida em Bastos (2020).

[16] O contexto dá conta dos temas explosivos em que sociedade dos anos 1950 e 1960 se viu imersa: Lutas por direitos no campo (1963), debate sobre a educação pública (1961-62), problema dos excedentes no ensino superior (1964).

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