Ocupação BVPS Mulheres 2024 | Observatório das Mulheres Latino-americanas em Plataformas Digitais, por Alejandra Josiowicz, Gabrielle de Oliveira Sá e Milene Santos Couto

Na segunda atualização do dia, publicamos texto de Alejandra Josiowicz (UERJ), Gabrielle de Oliveira Sá (UERJ) e Milene Santos Couto (UERJ) sobre o “Observatório das Mulheres Latino-americanas em Plataformas Digitais”. Além de apresentarem o Observatório, as autoras compartilham algumas notas de pesquisa sobre as escritoras Clarice Lispector e Alejandra Pizarnik.

Na semana do 8M, a BVPS promove pelo segundo ano consecutivo a Ocupação Mulheres, reunindo ensaios, relatos, cartas, conto, entrevista e resenhas que abordam temas, reflexões e dados das mais diferentes ordens sobre mulheres.

Continue acompanhando as publicações da Ocupação BVPS Mulheres 2024. Para saber mais sobre a iniciativa deste ano, dedicada às mulheres e meninas palestinas, clique aqui.

Boa leitura!


Observatório das Mulheres Latino-americanas em Plataformas Digitais: notas de pesquisa sobre Clarice Lispector e Alejandra Pizarnik

Por Alejandra Josiowicz (UERJ)&

Gabrielle de Oliveira Sá (UERJ) &

Milene Santos Couto (UERJ)

O Observatório das Mulheres Latino-americanas em Plataformas Digitais é um projeto desenvolvido na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Ele busca analisar práticas tecnodiscursivas em torno de mulheres intelectuais latino-americanas por meio da criação de um repositório que coleta, extrai e preserva de forma ética os discursos mobilizados nas redes sociais por públicos que criam sentidos em relação ao gênero e à política. O projeto é baseado em uma abordagem transnacional, plurilíngue e transdisciplinar, que visa contribuir com a documentação e os estudos das mulheres latino-americanas e sua circulação global, permitindo, ainda, a criação de uma memória das formações discursivas sobre as mulheres latino-americanas em ambiente digital.

A perspectiva teórico-metodológica do projeto mobiliza as Humanidades Digitais, o Feminismo de Dados, os Estudos de Gênero e a Análise do Discurso Digital. Com isso, procuramos desenvolver pesquisas inovadoras que fazem uso de ferramentas que combinam o qualitativo e quantitativo, de modo a captar, compor e processar corpus de pesquisa em diferentes linguagens computacionais para análise e mapeamento de práticas discursivas, explorando o contexto histórico-cultural e os sentidos sociais que se estabelecem na esfera pública digital.

O material do acervo do Observatório compreende um arco histórico amplo, que tem início com a emergência de práticas discursivas sobre cada uma das intelectuais em diferentes plataformas e termina quando as referências ou a disponibilidade das plataformas acaba. Além disso, o projeto organiza e produz publicações de pesquisas inovadoras que iluminam o modo como os discursos sobre as mulheres latino-americanas produzem e são produzidos pelas tecnologias digitais. O acervo para pesquisas interdisciplinares e as publicações do projeto estão disponíveis aqui.

Dentre as pesquisas desenvolvidas pelos membros do projeto, podemos citar a investigação de tecnodiscursos em torno das escritoras latino-americanas Alejandra Pizarnik (1936-1972) e Clarice Lispector (1920-1977), publicada na revista Badebec, Revista del Centro de Estudios de Teoría y Crítica Literaria da Universidade Nacional de Rosario, em setembro de 2023. O trabalho mostra como as imagens discursivas dessas escritoras permitem até hoje mobilizar sentidos em plataformas digitais, como o Twitter, em relação a questões em torno dos afetos, da subjetividade, da coletividade e da relação entre gênero e política. O artigo na íntegra está disponível aqui.

Para a composição do corpus dessa pesquisa, utilizamos a Busca Acadêmica do Twitter (atual X), que funcionou entre 2021 e 2022. Essa ferramenta permitia coletar tweets em arco histórico, de modo que coletamos postagens da rede social com a frase “Alejandra Pizarnik” (em espanhol) e “Clarice Lispector” (em português) no período entre dezembro de 2018 e dezembro de 2022. Nesse caso, a escolha dessas línguas se justifica porque são as mais utilizadas nas postagens sobre cada uma das escritoras no Twitter, e são as línguas oficiais da América Latina que estão contempladas pela API da plataforma. É importante salientar que não houve filtragem de geolocalização ou de gênero dos autores dos tweets, razão pela qual o nosso corpus abrange publicações realizadas por pessoas de gêneros, origens étnico-raciais e orientação sexual diversas nas populações hispanas e lusófonas no mundo inteiro.

A coleta dos tweets foi realizada utilizando o Twarc, um pacote de Python para coletar dados do Twitter desenvolvido por Documenting the Now. Já o processamento dos dados foi realizado com o auxílio do software Wolfram Mathematica. Esse método nos permitiu gerar gráficos e tabelas para identificar a quantidade de tweets sobre as autoras, as hashtags mais frequentes que acompanham seus nomes, as contas de usuários que mais mencionam as intelectuais (as quais são identificadas pela utilização de @), além da composição de nuvens de palavras que possibilitam a visualização dos termos mais frequentes presentes nos tweets. A partir desse conjunto de materiais, foi possível realizar uma análise da nomeação de Alejandra Pizarnik e Clarice Lispector nessa rede social.

O corpus dessa pesquisa corresponde a 287.797 tweets em língua espanhola referenciando Pizarnik e 230.401 tweets em língua portuguesa referenciando Lispector no período de coleta dos dados. Pizarnik e Lispector são mencionadas com mais frequência em um contexto de homenagens, dentre as quais as mais potentes são as datas de nascimento e falecimento de cada uma. Essas homenagens são parte de rituais genealógicos que trazem a herança das escritoras ao presente, de forma a conectar gerações de mulheres passadas e presentes, celebrar seus legados, visibilizar suas importâncias e revivê-las, de alguma forma, na memória compartilhada dos leitores atuais.

Em relação às hashtags mais compartilhadas, na comunidade leitora de Clarice Lispector podemos notar que #ClariceLispector, #literarura, #LeiaClariceLispector, #livros, #poesia e #leiamulheres celebram e divulgam a obra de Lispector, estimulando a leitura de textos da escritora brasileira. Além dessas hashtags, a #Leiamulheres foi mobilizada especialmente em tweets de comemoração do Dia Internacional da Mulher, incentivando a leitura e circulação de vozes femininas na literatura. Já no que se refere às hashtags mais frequentes em tweets sobre Alejandra Pizarnik, podemos observar que #8M e #8MarzoLiterario, impulsionadas em 2020 pelo perfil literário @Literlandweb1, dedicado à divulgação de obras, escritores e escritoras, foram empregadas com o objetivo de conferir um lugar de protagonismo às mulheres escritoras latino-americanas, em ocasião do Dia Internacional da Mulher. Essas iniciativas promovem a leitura de escritoras mulheres, celebrando um horizonte de escrita e leitura conjunta, isso é, de sororidade.

No que se refere às contas de usuários que mais mencionam Clarice Lispector, observamos o modo como citações e referências à escritora no Twitter vêm mobilizando sentidos políticos nos últimos anos. O nome de usuário mais frequente foi o @danielamercury, em um tweet com a foto de Daniela Mercury, cantora baiana e embaixadora da UNICEF no Brasil desde 1995, “fazendo o L” com a mão, em uma referência à candidatura do presidente Lula, que circulou amplamente em período próximo às eleições de 2022. No referido tweet é citado um trecho do livro Um sopro de vida, de Clarice Lispector. Em relação aos perfis que citam Alejandra Pizarnik, o @Pizarnikiana, cujo objetivo é manter viva a memória da escritora, é uma das contas que mais produz publicações citando a autora, trazendo sua presença aos dias atuais. Os tweets citados por esse perfil transmitem as tensões presentes na obra de Pizarnik, entre o desejo de solidão e de conexão com o outro, o público e o privado, o subjetivo e o genealógico, o passado e o futuro. Desse modo, os tweets conectam a obra de Pizarnik com as preocupações das gerações atuais sobre a subjetividade, a necessidade de afeto, as formas do desejo e de solidão.

As nuvens de palavras que mostram os termos mais frequentes em tweets sobre Lispector em português e sobre Pizarnik em espanhol apresentam algumas semelhanças. Além de palavras que remetem ao campo poético e literário, há outras palavras que apontam para as emoções, a subjetividade inacabada, o sofrimento e a dor, como “soledad”, “miedo”, “ausencia”, “enamorarnos”, “tristeza”, “infelicíssima”, “solidão”, “sentir”, “liberdade”, “mulheres”. Esses termos revelam a reapropriação de uma linguagem subjetiva, sobre o eu fragmentado, que transpõe as fronteiras do texto literário e irrompe nas plataformas digitais.

Ao analisar os dados coletados, podemos observar que as práticas tecnodiscursivas em torno das escritoras operam estabelecendo uma comunidade feminista, criando um espaço de encontro que conecta mulheres contemporâneas de diferentes regiões, origens sociais, étnico-raciais e orientações sexuais entre si, além de estabelecer vínculos entre estas e as intelectuais mulheres de épocas anteriores. Esses espaços ajudam a explorar a subjetividade na esfera digital e a mobilizar sentidos que repolitizam o afeto e a emoção, adquirindo força na vida pública.


A imagem que abre o post é da artista plástica Lena Bergstein.


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