
O Blog da BVPS publica hoje uma entrevista com o artista Antonio Kuschnir, que está em cartaz no Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC) até 26 de junho com a exposição “Choro”. A entrevista foi conduzida pelo professor André Botelho (UFRJ) e pelo pesquisador Rennan Pimentel (UFRJ). A exposição reúne 73 telas de Antonio Kuschnir – artista mais jovem a ocupar o Salão Principal do MAC – e tem curadoria de Victor Valery.
Desenvolvida desde o início da pandemia, a série “Choro” é uma potente interpelação ao contemporâneo a partir de pinturas que tratam da pandemia, do julgamento no mundo digital e do uso excessivo das redes sociais, como gerador de ansiedade e insegurança aos seus usuários. Cores fortes, formas exuberantes, temas dolorosos. O artista provoca, assim, uma reflexão sobre arte, política e padrões sociais de comunicação, expondo feridas e dores para questionar o status quo na sociedade atual. Nascido no Rio de Janeiro em 2001, Antonio Kuschnir iniciou sua carreira na pintura aos seis anos, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, onde fez sua primeira exposição coletiva. Obteve 1º lugar em História da Arte na UERJ e em Pintura na UFRJ, onde estuda, e realizou sua primeira exposição solo em 2019, na Galeria Macunaíma. Ao longo de 2020-21 realizou exposições coletivas e elaborou a série “Choro”.
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Boa leitura!
Entrevista com Antonio Kuschnir sobre a exposição “Choro” no MAC Niterói
Por André Botelho e Rennan Pimentel

1) As pinturas que compõem a exposição “Choro” parecem trazer à tona muitas ambiguidades do tempo presente. A questão mais ampla da comunicação parece se colocar centralmente. De um lado, a ampliação do uso das mídias digitais no cotidiano, inclusive intensificado como decorrência do distanciamento social imposto pela emergência sanitária da COVID-19; de outro, o sentido instrumental que essas mídias vêm assumindo na reconfiguração das relações interpessoais. Gostaríamos de ouvi-lo sobre a questão.
As pinturas da série “Choro” tratam, também, de comunicação. A digital é representada pelos celulares, telas, computadores e fones de ouvido. A comunicação verbal, pelas línguas-lâminas, que protuberam das bocas dos personagens numa ambiguidade entre vítima e agressor. Acho que nesse período pandêmico se tornou mais claro do que nunca o fato de que os discursos e as palavras podem efetivamente machucar, ferir, e até mesmo matar. Os discursos são como espadas, a comunicação (e a proposital manipulação da mesma) pode ser assassina.

2) Como você faz uso das mídias sociais? Nos fale um pouco mais sobre como analisa/observa a influência delas na vida das pessoas e na sociedade como um todo.
Eu uso as redes sociais principalmente como veículo de divulgação do meu trabalho e da minha arte, já há alguns anos. Como muitos de nós, várias vezes me pego descendo o feed do aplicativo sem propósito, ou abro o app quase de forma inconsciente. Mas, de certo, as redes sociais são bem importantes para um artista jovem hoje divulgar seu trabalho, mesmo com todas as dificuldades e imposições que essas plataformas colocam nos algoritmos e redes de alcance do que chamamos a deplorável palavra “conteúdo”.

3) Um dos contrastes mais tocantes na exposição é aquele entre um tema tão difícil e doloroso – a crescente improbabilidade da comunicação – e a exploração de linguagens, materiais e recursos pictóricos tão contundentes e mesmo exuberantes nas telas. Esse contraste nos pareceu muito bem trabalhado nas citações do expressionismo [O grito] e do modernismo. Faz sentido essa questão?
Eu amo cor, amo a sinuosidade e o prazer das formas, a beleza de paisagens ou animais, a construção intrincada de padrões em tecidos. E, acima de tudo, amo pintura e pintar. Por isso, mesmo com todo o conteúdo de sofrimento e “Choro” na exposição, jamais deixei de fazer as telas da forma como gosto de pintar. Trouxe elementos coloridos e vibrantes também para fugir da obviedade “tristeza = falta de cor”. Nesse sentido, obras como “O grito” foram bem relevantes para meus processos de criação.

4) Gostaríamos de ouvi-lo mais sobre o seu processo criativo, especialmente sobre suas leituras em geral e o lugar delas nas suas pesquisas plásticas.
Meu processo criativo é acordar todo dia, levantar e pintar. Repete.
Acho que para mim o fazer artístico é o centro de tudo, e ele que vai trazendo à tona novas ideias, descobertas ou questões que surjam em meio ao processo da pintura. Indo de acordo com isso, minhas leituras favoritas, e de longe as mais relevantes para mim, são obras escritas por artistas sobre seus trabalhos. Cartas, entrevistas, artigos, textos onde o artista – o próprio criador, e não um terceiro – comunica para nós, os leitores, suas ideias e pensamentos.

5) Como você está vendo as comemorações do centenário da Semana de Arte Moderna e como você pensa esta sua exposição individual nesse contexto?
Acho que a Semana de Arte Moderna, com todas as suas reflexões, controvérsias e multiplicidades, vem sendo investigada a fundo neste ano de 2022. Vejo a arte como um todo sendo discutida e feita cada vez mais, e portanto é um prazer estar expondo minha terceira individual nesse contexto e trazer minha perspectiva artística para ser exposta e vista por todos.

6) Com a exposição “Choro”, você é o artista mais jovem a ocupar o MAC. Nesse sentido, como vê o papel da juventude e da arte para a mudança social?
Acho muito importante o papel da juventude na transformação da sociedade, e a arte não escapa disto. O artista vive e trabalha em meio ao contexto social e nossas obras têm o poder de iniciar debates, conversas, movimentações que podem trazer grandes mudanças ao nosso modo de ver o mundo. E é importante que as mudanças em nosso modo de ver o mundo nos levem a de fato querer mudá-lo. Que a arte possa acender esta chama.
Legenda da foto de capa: O artista e a obra. Antonio Kuschnir com a pintura “Choro sentado com máscara, celular e escada”, 2022. (Foto/Reprodução: Acervo Antonio Kuschnir)