
O Blog da BVPS divulga a mesa “Sociologia como o que?” da série CulturaEConflito da ANPOCS, com moderação de Maurício Hoelz (UFRRJ) e participações de Elide Rugai Bastos (Unicamp), Gabriel Cohn (USP) e Jacob Carlos Lima (SBS e UFSCar). A mesa será transmitida hoje, às 17h, por este link. Abaixo, um breve resumo do tema proposto à discussão:
Por ocasião da abertura do II Congresso Brasileiro de Sociologia em 1962, último antes das atividades da associação serem interrompidas pela ditadura civil-militar, Florestan Fernandes proferiu o discurso presidencial “A sociologia como afirmação”, conclamando os sociólogos à defesa das condições sociais da prática científica. O conteúdo da fala e a sentença de seu título ganham nova força simbólica no contexto presente de negacionismos. E as palavras de Florestan soam triste e anacronicamente atuais, se não urgentes, neste momento político de restrição ao trabalho de nossa comunidade acadêmica e de ataques diretos e sistemáticos contra a ciência e o desenvolvimento tecnológico. Diz Florestan: “[o sociólogo] terá de compreender que a sociologia não pode medrar onde a ciência é repelida como forma de explicação das coisas, do homem e da vida; e que a ciência só pode expandir-se, efetivamente, entre os povos cuja civilização liberte a inteligência e a consciência do jugo do obscurantismo. Com isso, o que passa a ser essencial, numa certa fase de suas obrigações perante a ciência e a sociedade, vem a ser a conquista e a defesa de condições materiais e morais do trabalho científico. O combate ao atraso cultural inscreve-se entre seus papéis intelectuais, como e enquanto cientista (e não simplesmente como e enquanto cidadão)”.
Na abertura do III Congresso Brasileiro de Sociologia, o primeiro após a redemocratização, Gabriel Cohn – ex-aluno de Florestan e então presidente da SBS – profere a palestra “A sociologia como interrogação”, chamando a atenção para a importância da incorporação de temas emergentes e lembrando que “Pensar a Sociologia a sério é pensar a sociedade; mas pensar a sociedade ainda não é pensar a Sociologia”. A oposição necessária ao autoritarismo teve o efeito perverso de inibir a reflexão sociológica em nome das exigências mais imediatas, produzindo simultaneamente uma mitificação do “concreto” e uma desqualificação da teoria como luxo escapista. Caberia à Sociologia, no entanto, “manter vivo o seu autoquestionamento, não para desfibrar-se na eterna constatação da crise mas para descobrir os seus potenciais e, neles, as novas dimensões da sociedade que lhe cabe introduzir nos seus esquemas analíticos”. Sem interrogar a sociedade de modo novo e inteligente, completa Gabriel, “nada poderemos afirmar e, o que é pior, não saberemos cumprir a exigência primeira da ciência: formular bem a boa questão no bom momento. A sociologia como interrogação não é mera introspecção. A sua interrogação, levada a fundo, incorpora a afirmação e a negação: é o caminho para afirmar-se a Sociologia sem perder a força para negar-se a sociedade pela única via que importa, que é a crítica concreta, racionalmente fundamentada, estribada nos fatos e alheia a quaisquer concessões à moda, à oportunidade ou à simples acomodação”.
Para nós sociólogos, o tempo não é um dado natural, mas uma construção social que, em cada momento histórico, implica um modo específico de relacionamento entre o já conhecido e experimentado como passado e as possibilidades que se lançam ao futuro como horizonte de expectativas. Nestes velhos novos tempos que atravessamos, em que o presente parece estar cheio de passado e negar outros futuros possíveis, é preciso nos interrogarmos para afirmar a Sociologia como o quê?