
O Blog da BVPS dá continuidade à Hospedagem Vale quanto pesa, um experimento intelectual e estético inspirado na categoria de “hospedagem” de Silviano Santiago, voltado para as comemorações do seu segundo livro de ensaios, Vale quanto pesa, de 1982. Propomos um exercício de comentário, repetição, suplementação, hospedagem dos 18 textos nele reunidos. Autores e autoras de 40 anos ou menos comentam Vale quanto pesa em seus 40 anos ou mais.
No post de hoje, trazemos poemas de autoria de Luiza Müssnich e de Lucas van Hombeeck que se hospedam no poema de abertura do livro de Silviano Santiago.
É uma alegria proporcionar esse encontro, ainda mais porque, como espaço de formação de editores/as, autores/as e leitores/as de comunicação pública das ciências sociais, literaturas e artes, o Blog da BVPS aposta sempre na conversa entre diferentes gerações.
Acompanhe as postagens da Hospedagem, sempre às segundas e quartas-feiras. Para saber mais sobre a iniciativa, clique aqui.
Boa leitura!
Por Luiza Müssnich

I)
Pense bem antes de escutar
o que diz
um olhar sensível para a sacanagem
O começo é sempre o corpo
além dos cinco sentidos
em todos os sentidos
Você sonha?
Desenhar o absurdo, criar um santuário
à procura de um nome
distante entre duas línguas
por entre fissuras selvagens
todo dia a mesma noite
Mas não no Brasil
Quem criou existência do Brasil
que traduz o Brasil
o Brasil é uma ficção
para o povo brasileiro
um país amnésico
Como eu ia dizendo:
você prefere
ir além
das entrelinhas
Qual é o futuro
o valor do afeto
o futuro da verdade
o amanhã não existe ainda
Depois do fim, qual a saída?

II)
Uma tragédia brasileira
Brasil anuncia
Brasil pode ter
Brasil entrou
Brasil se torna
Brasil já figura entre
Brasil à deriva no meio da tragédia
Brasil preocupa nações vizinhas
Brasil não relaxa nem aos domingos
Brasil volta a não funcionar depois do Carnaval
Brasil perde
perde, de novo
O Brasil vai vencer
Brasil vai vender
Por Lucas van Hombeeck
1. imagens do remediado
antes do poema deveria haver uma epígrafe
e essa epígrafe poderia ser uma imagem
mas por enquanto não há imagens
por enquanto
não há casa nem pais nem amor não há
novo engenho novas artes há
apenas parceiros de jogo como é
jogo toda a dívida que é
dívida
de jogo
2. apesar de dependente universal
um escritor dá uma palestra numa universidade
e diz que já pichou duas paredes ele diz
[7:11-7:55] https://www.youtube.com/watch?v=cXdKmKUcXAk
são as reflexões que eu queria fazer quanto a grafite; pra complementar a coisa, eu me lembro em particular de dois grafites que eu deixei por aí – agora eu vou me denunciar (risos da plateia) – espero que não seja na casa da tia de nenhuma de vocês, coisa desse tipo, um era SENTADO NÃO TEM SENTIDO, esse é meu. Eu trabalhava numa agência de propaganda onde queriam que eu passasse o dia inteiro sentado; então peguei um spray e fui bem na frente, tinha um muro ali que era um tesão (risos abafados) e escrevi SENTADO NÃO TEM SENTIDO então todo mundo ali era obrigado a chegar todo dia e ver o que eu pensava daquilo ali. Sentados [inaudível].
um jogador passa giz na mesa e diz
que já pichou duas paredes ele diz eu já
pichei duas paredes é assim que começa
o jogo não há vencedores ou promessas
há apenas companheiros de
jogo
3. uma ferroada no peito do pé
depois do evento na universidade havia
o engenho novo partes novas e mais
ainda agora camaradas de jogo eram
muitas e muitos e quiseram inventar
a segunda regra do jogo gritaram
é um modelo para armar
é um sabonete
é uma cópia pensaram como é
cópia toda a cópia da chave do banheiro
do bar Moravia o hospital
das almas onde nossos pais
jogavam xadrez na cidade do méxico
apostando os rins mas só
um de cada vez rindo
prudentemente
dos ponpons
grená que era como
chamavam os meninos
inteligentes que não repetiam
de ano e tomavam coquinha KS
na tenda em frente à escola
4. Você lembra daquele sabonete Vale quanto pesa
nós os meninos que não éramos
inteligentes organizávamos tudo
em ordem alfabética repetindo
as fraldas as letras o almoço lavando
as partes do corpo pela ordem por isso
É interessante notar como a tendência básica do pensamento colonizado é o enciclopedismo, ou seja, o saber introjetado, aprendido, assimilado de várias e generosas fontes, e depois aparente em uma produção cultural cujo valor básico é a síntese. (É preciso pensar como, nas culturas dominantes, é tão fluida a diferença – diferença capital nas culturas dominantes – entre historiador e pensador original.) A síntese histórica não é produto original, é antes de mais nada generosa, abrangente, equidistante e tão liberal quanto o próprio pensamento que a originou. Portanto, não é estranho que o ideal de uma “inteligência” colonizada e docente seja o arrolar infindável dos fatos culturais, sem nenhuma preocupação outra que a lógica da sua sucessão exaustiva.
então temos:
aprendido
básico
capital
estranho
generosa
produção
produto
valor
agora vamos pesar
as palavras
5. no final o coração pronto para o roubo
maurício rebelde mártir padroeiro diz
o pecado nos dá guerra em todo tempo e lugar
com que os hereges franceses
poderão nos apertar
meu ofício é dar fortuna
imprecação e guaraná
pouco profissional
agora muito profissional
conversinha paralela
agora atividade profissional paralela
manuel fala alguma coisa
o que me vale aos fins de semana
é o teu amor provinciano e bom
para ele compro bananas
para ele compro bombons
para o teu amor teu amon
tu tankamon meu amor
para o teu amor tu te flamas
tu te frutti tu te inflamas
antes de terminar este poema
meus amigos os necessitados da sorte
são a terceira regra do jogo um arquipélago
em cinco partes cada um
com seus sentidos e mesmo assim
todos comem suas verduras
todos gostam de água fria
A imagem que abre o post é de autoria de Lena Bergstein, Série Galáxias, 2018. Fotografia e superposições