O Blog da BVPS tem o prazer de trazer hoje uma entrevista inédita com Italo Moriconi, professor do Departamento de Letras da UERJ e organizador do livro 35 ensaios de Silviano Santiago (Companhia das Letras).
O livro será lançado no dia 4 de setembro, na Livraria da Travessa do Shopping Leblon, às 19h30. Clicando aqui você pode ver o folder do evento, que terá um bate-papo sobre “O ensaio literário” mediado por Italo Moriconi e com os professores André Botelho, Celia Pedrosa, Denilson Lopes e Eneida Cunha Leal, além de sessão de autógrafos com Silviano Santiago. No mesmo link ainda está disponível o índice e a introdução do livro, assinada pelo organizador.
Na entrevista abaixo, feita via e-mail por Andre Bittencourt (UFRRJ e co-editor do Blog da BVPS), Italo conta um pouco sobre como foi o processo de seleção dos artigos que compõem o livro, discute o lugar do ensaísmo de Silviano Santiago na tradição crítica brasileira e sugere alguns significados contemporâneos da obra.
Uma boa leitura!
- Podemos imaginar as dificuldades em escolher o que entra e o que fica de fora em um livro como o que está sendo agora publicado, de ensaios selecionados de Silviano Santiago. Para início de conversa, gostaríamos que você falasse um pouco sobre como se deu esse processo de “corte”, como você procedeu a seleção.
A expressão “corte” é bem apropriada. A obra ensaística de Silviano Santiago é toda ela relevante, de modo que o antologista fica numa posiçao de ter que cortar este ou aquele texto, apenas para garantir a presença de outro que lhe parece mais essencial. Tentei incluir todos os ensaios que julgo seminais, no sentido de inaugurais ou pioneiros , em relação às trilhas de pesquisa exploradas pelos interesses de Silviano, desenvolvidas e desdobradas em textos que ficaram de fora. Em alguns casos, optei pela versão mais elaborada e amadurecida, como no caso do estudo sobre a carta de Caminha, apesar de adorar sua versão original. Vital também no recorte foi identificar as regiões temáticas em que se pode dividir a obra. Dentro de cada “região” ou seção, tentei incluir o que me parecia mais canônico. Claro que eu tinha que reservar um espaço para o Silviano pop e ele está lá. O princípio maior que orientou a minha escolha, como escrevo na apresentação do volume, foi buscar definir o cânone essencial da obra ensaística de Silviano. Por cânone entendo o conjunto de textos de maior impacto formativo, ou, para ser mais preciso, de maior necessidade formativa, pensando o momento presente e o logo mais daqui a pouco. Na definição do cânone crítico de Silviano, devem ser acrescentados, aos ensaios aqui reunidos, os ensaios que constituem livros independentes, como o recente Genealogia da ferocidade. Nunca é demais porém lembrar que no discurso crítico de Silviano persiste o traço anticanônico. A sua é uma pedagogia radicalmente crítica, orientada sempre para problematizar as interpretações estabelecidas. É isso que ela ensina, indo na contramão das cristalizações ideológicas ou dogmáticas e dos discursos meramente celebratórios ou marqueteiros.
- Ainda algo que tem a ver com o processo de seleção, mas também com a escolha já estabelecida, quais foram suas impressões ao aproximar uma obra tão vasta e que se estende por um período de tempo tão amplo? Você encontrou novos sentidos interpretativos ao tomar em conjunto os ensaios de Silviano Santiago?
Convivo com a obra de Silviano Santiago desde meus tempos de estudante de pós-graduação. Como professor de Letras estou sempre discutindo-a com alunos e orientandos. Não sei se encontrei novos sentidos interpretativos. Só sei que a obra de Silviano está à espera de um estudo abrangente, que busque uma reflexão sobre a trajetória de seu pensamento vinculado à realização no campo da ficção. Algo como o que fez Wander Melo Miranda em estudo sobre o livro Em Liberdade, nos anos 1980. Pegando a fase atual da obra de Silviano, o romance bioficcional Machado nos desafiaria a um trabalho desse tipo. Acho muito interessantes as pontes que podem ser feitas entre esse livro e alguns dos ensaios mais recentes que incluí na antologia. Confesso que pessoalmente tenho um apego muito grande pelos ensaios especificamente literários, embora reconheça que o que chamei de ensaios “geopolítico-culturais” tragam em grau forte aquela necessidade presente mencionada e são as melhores janelas ou entradas à sua obra pelo pessoal das outras áreas todas das humanidades. A simples existência desta coletânea é um ato de resistência das ciências humanas nesse momento de ataque às universidades e ao conhecimento.
- A ideia de “ensaios reunidos” e a própria coleção pela qual eles saem, a “coleção listrada” da Companhia das Letras, consolida o lugar fundamental da obra de Silviano Santiago dentro da tradição crítica brasileira. Como você situaria o ensaísmo do autor dentro dessa tradição?
Os textos de Silviano fazem hoje parte da bibliografia básica da maior parte dos cursos de pós-graduação de Letras, Ciências Sociais, Estudos Culturais e História no Brasil, assim como dos estudos avançados de literatura e cultura brasileira nas universidades americanas, sul-americanas e europeias. Como afirmo em minha apresentação, a meu ver a vasta produção de Silviano Santiago abordando temas político-culturais (a primeira seção de minha antologia) o coloca na família dos grandes intérpretes da brasilidade. Seus ensaios integram-se, com todo o direito, e de maneira muito original, na gloriosa tradição da “brasiliana¨. Por outro lado, ele é talvez o mais instigante e antenado crítico literário hoje atuando no Brasil, se tomarmos como critério comparativo o fôlego demonstrado em cada produção. Ele serve de exemplo. De que vale a pena o esforço intelectual. Emoldurando tudo isso, uma incrível capacidade de ler tendências e de estar atualizado com as vertiginosas transformações por que passa o contexto cultural contemporâneo. A produção crítica de Silviano, para seus leitores fiéis, funciona sempre como um farol para entender novas questões em cultura.
- Se, por um lado, a obra agora publicada consolida, como dissemos na pergunta anterior, por outro Silviano Santiago segue escrevendo e refletindo sobre os impasses da cultura contemporânea de maneira que, talvez, pudéssemos adjetivar de “feroz” na acepção que ele mesmo dá ao termo em seu ensaio recente sobre Grande sertão: veredas[i], que não se deixa domesticar. Além disso, seus trabalhos, mesmo os mais antigos, parecem cada vez mais atuais. Quais significados contemporâneos você observa na crítica de Silviano Santiago?
No ensaísmo literário, destaco a capacidade provocadora e a presença de metodologias claras para exercer o indomesticado que se exige de todo ato crítico que se queira relevante, que se queira que faça alguma diferença. O paradoxo proposto por Silviano para o trabalho intelectual permanece mais atual do que nunca: como exercer o olhar selvagem do crítico e do artista sem abandonar o rigor metodológico. Do ponto de vista político, seu ensaísmo, já desde Uma literatura nos trópicos, nos anos 1970, subentende valores de diversidade, de democracia radical, de atenção às margens e à diferença que têm sido vitais ao longo das últimas décadas na constituição dos conceitos e narrativas políticas não conservadoras. Elas tornam-se mais vitais ainda no momento atual, em que se fortalecem no Brasil as lutas minoritárias e libertárias, apesar do paralelo recrudescimento das ameaças contra elas.
[i] Genealogia da ferocidade. Recife: Cepe Editora, 2017