Ocupação Mulheres 2023 | Bônus – A presença feminina na produção sociológica brasileira contemporânea, por Lais Santos da Conceição e Açucena de Oliveira e Silva

Na última atualização da Ocupação Mulheres 2023, série de matérias sobre mulheres intelectuais, gênero, feminismos e temas afins, publicamos na Coluna Primeiros Escritos um texto-bônus assinado por Lais Santos da Conceição e Açucena de Oliveira e Silva, graduandas em sociologia na UFF e bolsistas de iniciação científica. Cerca de um mês depois do dia 11 de fevereiro, quando se comemora o Dia Internacional das Mulheres e Meninas nas Ciências, trazemos a contribuição dessas jovens pesquisadoras para o debate sobre a presença feminina na produção sociológica do país como uma forma de projetar o futuro.

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Boa leitura!


A presença feminina na produção sociológica brasileira contemporânea: primeiros apontamentos

Por Lais Santos da Conceição e Açucena de Oliveira e Silva

A expansão do campo de pesquisa em cientometria – voltado, grosso modo, para a mensuração da produção de artigos e revistas, suas práticas de citação e o uso de indicadores nas políticas científicas – tem revolucionado as formas de observação da ciência. O volume cada vez maior de metadados disponibilizados por grandes plataformas de indexação científica permite, inclusive, descrever e analisar como diferentes interesses temáticos, abordagens metodológicas e controvérsias científicas se ligam a diferentes modos de organização e práticas dos cientistas, como filiação institucional, redes de cooperação, citações de obras, entre outras. O presente texto é parte de um projeto de pesquisa que pretende mapear as ciências sociais (Sociologia, Antropologia e Ciência Política) na América Latina utilizando a cientometria e o pensamento social como principais aportes. Analisaremos aqui, de forma preliminar, se e de que forma as diferenças de gênero podem impactar nas escolhas e interesses temáticos dos cientistas sociais. 

Metodologia e resultados parciais

Inicialmente, coletamos os metadados de documentos – artigos, editoriais, resenhas, entre outros materiais – disponíveis na plataforma de indexação científica Web of Science (WoS) com ao menos uma filiação institucional de seus autores no Brasil, cobrindo o período de 2002 a 2021. A coleta abarcou não somente documentos indexados na Coleção Principal da WoS, contendo os metadados dos periódicos mais relevantes do mundo, mas também daqueles indexados na base SciELO, a principal plataforma de indexação científica da América Latina. Ao todo foram coletados os metadados de 11193 documentos, dos quais 3929 tinham Sociologia como primeira “Área Web of Science” (categoria de classificação dos periódicos).

Por meio da extração dos dados de tais plataformas acerca dos artigos publicados entre 2001-2022, podemos ter acesso a uma variedade de informações, tais quais: título do artigo, resumo, referências citadas, filiação institucional dos autores e o que nos interessa em particular neste texto: os nomes dos autores. Com auxílio de pacotes da linguagem de programação R, identificamos o sexo dos autores a partir de seus nomes. Em seguida, verificamos as inconsistências e aqueles casos em que não foi possível a identificação automática do sexo por parte do pacote. Por fim, utilizamos algumas técnicas de text mining para verificar se há relações entre o sexo dos pesquisadores e interesses temáticos. Como caso paradigmático, utilizaremos as discussões em torno da pandemia da Covid-19. Como dito anteriormente, esse é apenas um texto exploratório. A pesquisa mais ampla tem como objetivo rastrear de forma mais detida, via metadados dos documentos, os temas mais relevantes, como funciona o sistema de citação entre gêneros e entre cientistas prestigiados – que publicam com maior frequência –, e quais temas foram mais frequentes ao longo dos anos.

Os primeiros dados coletados apresentaram uma disparidade de gênero que chamou atenção dos pesquisadores para uma averiguação mais atenciosa quanto aos motivos que justificariam a presença feminina, tratando-se de temáticas específicas, e também a comparação entre a produção e publicação feminina e a masculina – como demonstrado nos dados a seguir.

Essa primeira amostra reforça os argumentos de Ortiz & Rada (2022) acerca da (des)proporção entre homens e mulheres na publicação de trabalhos acadêmicos, em que homens publicam mais que mulheres em praticamente todos os países do mundo. Tal disparidade pode se agravar dependendo do campo de estudo. Nesta elaboração, todos os dados coletados foram relativos ao campo da Sociologia no Brasil, obtendo assim o resultado parcial de 2621 mulheres identificadas como autoras ou coautoras dos documentos, enquanto a quantidade de homens chega a 3713. Não foi possível a identificação do sexo de 6 autores.

Dentre os prováveis motivos, ainda sob análise crítica para averiguação se o efeito se reproduz neste exemplo, estudos já mostraram que a desigualdade entre homens e mulheres está presente no recrutamento de pesquisadores, socialização entre estes, acesso à publicação e reconhecimento (Ortiz & Rada, 2022). Globalmente, mulheres possuem menos de 30% da autoria, enquanto homens representam mais de 70% (Sugimoto, 2013). Mulheres são menos representadas acerca de serem creditadas como primeiras autoras na referência de um trabalho – a cada artigo que possui uma mulher como primeira autora, há quase dois artigos com autoria principal de um homem (Sugimoto, 2013). Em comparação com outros campos de estudo, que incluem áreas como ciências da natureza e ciências exatas, as humanidades possuem maior presença feminina. Todavia, os homens também dominam a produção e reconhecimento científico presentes nas ciências sociais.

Passemos agora para a análise da frequência de temas investigados por homens e mulheres nos documentos coletados. Para melhor captar a temática de cada documento, contabilizamos a frequência de bigramas (duas palavras que aparecem frequentemente associadas) contidos nos resumos dos documentos, separando-os conforme a autoria feminina ou masculina. Para melhor visualização, selecionamos os 20 mais citados para cada grupo de sexo. A partir dessa extração de dados, foi possível dimensionar os temas mais recorrentes em cada gênero, como se observa no gráfico de barras abaixo:

A partir da visualização dos dados podemos verificar como determinados bigramas são quase exclusivos em cada grupo de sexo. “Social theory” é tema marcadamente masculino e “critical pedagogy” aparece como marcadamente feminino. A frequência de um bigrama em particular chama a atenção: “covid 19”. Embora apareça nos dois grupos, mostraremos a seguir como esse é um caso particularmente interessante para a pesquisa, na medida em que permite analisar como o sexo é variável importante no modo como se analisa o tema. Para melhor capturar essa dinâmica, os gráficos a seguir mostram os bigramas mais frequentemente associados nos resumos dos documentos com o bigrama “covid 19” para cada grupo de sexo.

Nota-se como há significativas diferenças nas abordagens do tema “covid 19” em cada grupo de sexo. No caso masculino, bigramas relacionados à teoria social (como “social networks”, “social theory”) e outros mais específicos (como “political culture” e “civil society”) são mais frequentes. No caso de documentos com presença de autoria feminina, os termos populações indígenas (“indigenous population”) e “social inequality” chamam a atenção.

Considerações Finais

Os resultados parciais apresentados aqui permitirão a partir de agora uma análise mais fina dos documentos coletados, bem como a definição dos próximos passos da pesquisa. Entre eles, a frequência das citações de referências bibliográficas e de temas preponderantes em cada grupo de sexo, bem como aqueles temas e referências mais compartilhados. Em outra etapa da pesquisa, buscaremos comparar a área de Sociologia com as demais áreas das ciências sociais, Antropologia e Ciência Política. Poderemos assim perseguir o modo pelo qual as diferenças de sexo se expressam ou não em diferenças temáticas, de abordagens e padrões de citação. Quando se fala da necessária ampliação das mulheres na ciência, é preciso, afinal, compreender a produção dessa presença.

Referências

LARVIÈRE ,V. & Ni,C. & GINGRASS, Y; CRONIN, B. & SUGIMOTO, C. (2013). Global gender disparities in science. Nature, n. 504, pp. 211-213.

MEIRELES, F. (2022). gender BR: Predict Gender from Brazilian First Names. Disponível em: https://cran.r-project.org/web/packages/genderBR/genderBR.pdf

MÜGGE, L. & KEUCHENIUS, A. (2021). Intersectionality on the go: The diffusion of Black feminist knowledge across disciplinary and geographical borders. The British Journal of Sociology. n. 72, pp. 360-378.

 RADA, E. A. & ORTIZ, F. (2022). Gender and researchers with institutional affiliations in the global south/north in social network science. Applied Network Science, n. 40.

SANTIN, D. M., & CAREGNATO, S. E. (2020). Concentración y desigualdad científica en América Latina y el Caribe a principios del siglo XXI: un estudio cienciométrico. Información, Cultura Y Sociedad, n. 43, pp. 13-30.

BARBOSA, A. S. (2016). Implicações éticas do efeito Mateus na ciência. Mediaçðes, v. 21, n.1, pp. 286-316.

PEREIRA, L. & SANTANA, C. Q.; BRANDÃO, L. F. (2019). O apagamento da contribuição feminina e negra na ciência: reflexões sobre a trajetória de Alice Ball. Cadernos de Gênero e Tecnologia, n.12, v.40, pp. 92-110.

Imagem: Marcela Cantuária
Salão de Mulheres ou 1º Salão de Artes Latino Americana e Caribeño
Óleo acrílica e spray s/ tela
200 x 300cm
2022

Retirada do site da artista

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