Coluna Primeiros Escritos | Entre estrutura, agência e conversações internas: notas introdutórias à teoria de Margaret Archer, por Tarik Dias Hamdan e Victor Pimentel Ferreira

A Coluna Primeiros Escritos publica hoje texto de Tarik Dias Hamdan e Victor Pimentel Ferreira, alunos do doutorado em Sociologia no PPGSA/IFCS/UFRJ, sobre Margaret Archer, socióloga britânica falecida no último dia 21 de maio.

Primeira mulher a presidir a International Sociological Association, Archer deixa um legado extremamente importante para as teorias sociológica e social contemporâneas, particularmente, uma contribuição persistente sobre o problema central da agência humana, que atravessa sua trajetória e obra. Para ela, teorizar sobre a agência sempre diz respeito a como conceituar o agente humano como alguém que é, ao mesmo tempo, formado por sua sociedade (socialidade), mas também tem a capacidade de transformá-la, ainda que parcialmente. Archer será sempre a grande dama do realismo social na sociologia, reconhecida por buscar melhores concepções de humano e humanidade.

Aproveitamos para lembrar que a Coluna Primeiros Escritos se volta para a publicação de textos de estudantes de pós-graduação. Para conhecer mais sobre a iniciativa, clique aqui.

Boa leitura!


Entre estrutura, agência e conversações internas: notas introdutórias à teoria de Margaret Archer

Por Tarik Dias Hamdan* & Victor Pimentel Ferreira**

Introdução

A socióloga britânica Margaret Archer pode ser considerada um dos principais nomes da teoria sociológica contemporânea. Há mais de trinta anos a autora vem se dedicando à publicação de uma série de artigos e livros voltados para a construção do que ela chama de “abordagem morfogenética” (2016: 75), por meio da qual desenvolve um tratamento original para um dos problemas fundamentais da sociologia: a relação entre agência e estrutura. Aqui no Brasil, as reflexões teóricas da ex-presidente da International Sociological Association (ISA) ainda parecem ser bem pouco conhecidas, debatidas e efetivamente mobilizadas.[1] Por essa razão, nosso texto visa apresentar brevemente alguns aspectos da teoria archeriana a partir da obra Culture and Agency: the place of culture in social theory (1996), livro no qual a autora desenvolve um quadro teórico altamente abstrato voltado para a análise de dois estratos da realidade social, complementando tal abordagem por meio do desenvolvimento ulterior da noção de “conversações internas”, discutida sinteticamente ao final de nossa apresentação.[2]

Agência, estrutura e os problemas dos “conflacionistas”

De acordo com Archer (1996: XI), o binômio agência e estrutura se tornou o ponto fulcral da teoria social moderna. Isso se deve não somente à importância óbvia desse dilema para uma série de discussões teóricas – como aquelas concernentes aos binômios objetivismo-subjetivismo, liberdade-determinismo, entre outros –, mas também ao fato de que essa é uma questão experienciada praticamente pelos próprios atores sociais. Como sugere a autora (1996: XII), faz parte do cotidiano “sentir-se livre e acorrentado, capaz de moldar nosso próprio futuro e, ainda assim, confrontado por restrições imponentes e aparentemente impessoais”. Por essas e outras razões, é digno de nota que Archer comece o seu extenso caminho de reflexão no livro mencionado por meio de uma reafirmação de que o problema da agência-estrutura não diz respeito “apenas” a uma questão teórica (como se isso fosse pouca coisa), mas também ao “problema social mais premente da condição humana” (Archer, 1996: XII).

Para a socióloga britânica, do ponto de vista da teoria sociológica, é fundamental superar as abordagens por ela denominadas de “conflacionistas”, que podem ser divididas em três grupos (Vandenberghe, 2008). Os “conflacionistas descendentes” atribuem um peso excessivo à estrutura social, considerando-a como o elemento determinante na conformação do comportamento humano. Os “conflacionistas ascendentes”, ao contrário, superestimam a capacidade agêntica dos atores sociais em relação à orquestração e ao desenvolvimento das estruturas (ou, nos termos da autora, das “partes”). Por fim, os “conflacionistas centrais”, responsáveis pelo desenvolvimento da ideia de que as “pessoas” e as “partes” são inseparáveis, tratam a agência e a estrutura como “dois lados da mesma moeda”. Aos primeiros podem ser associadas as teorias hermenêuticas e fenomenológicas (como a etnometodologia); aos segundos, as reflexões dos estruturalistas, e aos últimos, as propostas sociológicas da praxiologia bourdieusiana e da estruturação giddensiana.

Para Archer, a “falácia da conflação” tende a ocultar um dos polos (ou as “partes” ou as “pessoas”), mantendo inerte a variável dependente e, assim, retirando a possibilidade de que seja reconhecido algum grau de autonomia de tais esferas. Esse, inclusive, é um ponto central de sua proposta teórica: o dualismo analítico, como ela assim nomeia, compreende que tanto as partes quanto as pessoas contam com uma relativa autonomia e independência. Contudo, como nenhuma dessas esferas isoladamente fornece as condições necessárias para a ocorrência de mudanças sociais, é preciso que, primeiramente, se trate das duas esferas separadamente para, em seguida, investigar as interações entre esses dois níveis.

Com o objetivo de não incorrer em qualquer tipo de conflacionismo, Archer nomeia tais esferas como “Sistema Cultural”, referente aos padrões culturais, normas, valores e crenças compartilhados em uma sociedade, e “nível Sociocultural”, que diz respeito às interações sociais concretas entre os indivíduos em suas vidas diárias. Segundo a autora, embora cada um deles resguarde um nível relativo de autonomia, o Sistema Cultural e o nível Sociocultural não existem de modo completamente independente um do outro – eles se “sobrepõem, se entrelaçam e são mutuamente influentes”. Daí a importância, reforçada várias vezes ao longo da obra, do desenvolvimento consistente dessa abordagem dual, que permitiria a exploração detalhada das relações entre ambos os níveis.

O Sistema Cultural e o nível Sociocultural

Para a socióloga britânica, o Sistema Cultural é composto por entidades constituídas pelos elementos culturais existentes, constituindo itens culturais que estão em relações lógicas umas com as outras, formando um sistema. Elas podem assumir relações de complementaridade, quando os itens se harmonizam, ou de contradição, quando há conflitos ou tensões entre eles. Archer também argumenta que as relações dentro do Sistema Cultural devem obedecer à regra da identidade formal, ou seja, algo deve ser igual a si mesmo e não diferente, garantindo a coerência e consistência do sistema como um todo. Posicionando-se alternativamente a teorias relativistas que afirmam a impossibilidade de compreensão da realidade social por parte do sociólogo ou a incomensurabilidade de cada sociedade, a pensadora sustenta que o sociólogo deve ser capaz de compreender os elementos que compõem o Sistema Cultural e retirar dele proposições explicativas.

O nível Sociocultural é definido como o ambiente no qual se evidenciam as relações de antagonismo, baseadas em interesses materiais, e ocorrem as interações entre atores sociais. Nesse nível, as dinâmicas de poder, como as disputas por recursos, são elementos fundamentais. Também é aí que as ideias novas são elaboradas e podem passar a constituir posteriormente o Sistema Cultural. No Quadro 1, explicitamos a organização da própria autora em relação ao seu quadro teórico (Archer, 1996: 134).

A divisão da realidade social em níveis distintos empreendida pela socióloga britânica não é por acaso: Margaret Archer tem se firmado nas últimas décadas como um dos grandes nomes do realismo crítico (Hamlin, 2000; Peters, 2019), corrente teórica que tem como principal teórico o filósofo inglês Roy Bhaskar e, entre outras ideias, baseia-se em uma “ontologia estratificada” (Archer, 2016: 75). Isso significa que, grosso modo, a realidade é entendida como dividida em diferentes estratos/níveis e cada um deles conta não só com uma dinâmica própria, mas também com uma existência relativamente autônoma e independente dos demais estratos constitutivos da vida social. Além disso, os níveis são “portadores de propriedades e poderes [causais] diferentes” (Archer, 2003: 2) potencialmente atualizáveis em situações concretas de ação. Diante desse quadro teórico, nossa autora argumenta que os grandes problemas da teoria sociológica só podem ser devidamente enfrentados “pelo exame da interação entre as propriedades e poderes nestes diferentes ‘níveis’ ontológicos” (Archer, 2016: 75).

Além do binômio agência-estrutura, outro grande problema da disciplina ao qual Archer se aproxima diz respeito à questão da ordem e da mudança sociais, que, em seu quadro teórico, são denominados, respectivamente, de processo de morfostase e processo de morfogênese. Este último pode ser descrito em três passos: condicionamento estrutural, interação social e elaboração estrutural, o que permite à autora resumir sua teoria a respeito de tal processo em quatro proposições (Archer, 1996: 106):

1) Há relações lógicas no nível do Sistema Cultural;

2) Há influências causais do Sistema Cultural no nível Sociocultural;

3) Há relações de causa no nível Sociocultural entre os grupos;

4) Há uma elaboração do Sistema Cultural.

Para a autora, o Sistema Cultural é uma das peças fundamentais da sua teoria, pois ela influencia causalmente o nível Sociocultural. Dessa maneira, as interações sociais estão sempre enraizadas nos conjuntos de ideias que ganharam autonomia previamente e que estão em relação umas com as outras. Assim, o Sistema Cultural pode constranger ou facilitar a ação dos atores sociais. Mobilizando os vários exemplos de Archer com variáveis analíticas, se as proposições A e B, por exemplo, estão em oposição, todo ator na realidade social que sustentar uma das duas estará inevitavelmente em oposição a outra. Nesse sentido, seria necessário que uma das duas cedesse espaço para a outra, desaparecendo, ou que as duas fossem conectadas a um terceiro termo, C, que fizesse com que A e B fossem uma contradição aparente.

Embora esse modelo seja bastante abstrato, Archer mobiliza o cristianismo e o mundo antigo (Roma e Grécia Antiga) como exemplos explicativos da sua teoria. Para ela, esses dois elementos estão em confronto irreconciliável: enquanto os primeiros defendiam a eudaimonia como ética (o princípio da justa medida para uma vida virtuosa), o cristianismo santificava e glorificava o sofrimento. Também é possível pensar no oposto, em uma situação em que, no Sistema Cultural, A esteja em uma relação de complementaridade com B. Nesse sentido, no que concerne ao nível Sociocultural, a mobilização de A leva inevitavelmente à mobilização de B, representando, assim, um outro tipo de constrangimento ou de facilitação das interações sociais.

Representando a terceira etapa de sua teoria da morfogênese, após identificar como o Sistema Cultural influencia o nível Sociocultural, é necessário observar a distribuição de poder no nível das relações sociais. Nesse momento, Archer mobiliza o conceito de poder cultural como um recurso passível de ser mobilizado pelos atores para manter a composição do Sistema Cultural ou para alterá-lo. No exemplo em que as ideias A e B sejam contraditórias, no nível Sociocultural, será do interesse do grupo que defende as ideias A impedir que o grupo adversário, que defende as ideias B, ganhe espaço, gerando um conflito no nível das relações sociais.[3]

O último estágio da análise archeriana é a elaboração do Sistema Cultural, ou seja, o processo por meio do qual novos componentes culturais são adicionados, estabelecendo novas relações lógicas de contradição e complementaridade com os demais itens culturais. Por conseguinte, o novo Sistema Cultural influenciará as relações sociais, que, por sua vez, a depender do estado do nível Sociocultural, reelaborará novamente o Sistema Cultural. Archer define duas formas de elaboração que são possíveis: contradição competitiva e complementaridade contingente. O primeiro caso acontece quando dois grupos opostos defendem simultaneamente tipos de ideias incompatíveis. No segundo caso, as ideias A e B, por exemplo, são independentes uma da outra, e invocar uma delas não implica mencionar a segunda. A contradição competitiva gera inovação, pois cada grupo, ao tentar eliminar os demais, se engaja no refinamento de suas ideias e em afiar suas divergências com os outros. Para Archer, a competição é um processo morfogenético, pois amplifica as divergências iniciais, de tal forma que a falha em elaborar melhor suas ideias implica uma derrota. Já no caso da complementaridade contingente, ideias que nasceram independentemente, mas são complementares no nível do Sistema, podem ser mobilizadas pelos grupos sociais que empreendem um processo de fusão, produzindo uma nova ideia que é incorporada ao Sistema Cultural.

A partir disso, a autora desenvolve a hipótese de que as condições referentes à estabilidade e mudança culturais estão enraizadas na conjunção entre Sistema Cultural e nível Sociocultural. Isso significa que a mudança e a estabilidade culturais são resultados de como as relações complementares ou contraditórias entre as “partes” do Sistema Cultural mapeiam e influenciam as relações entre “pessoas” no nível Sociocultural, que, por sua vez, como discutimos a seguir, também podem se mostrar mais ou menos receptivas a tais influências. Assim, inspirada pelo marxismo funcionalista de David Lockwood e do realismo crítico de Roy Bhaskar, Archer busca “desenvolver uma sofisticada teoria morfogenética da emergência, reprodução e transformação de sistemas culturais e estruturas sociais” (Vandenberghe, 2008: 2).

A questão das conversações internas

Como indicado na introdução, em Culture and Agency Margaret Archer se concentra em construir uma abordagem que seja capaz de dar conta das relações entre o Sistema Cultural e o nível Sociocultural. Dado o alto nível de abstração com o qual a autora fundamenta o seu quadro teórico, a obra apresenta, por vezes, raciocínios e construções argumentativas que tornam a leitura bastante árida. Em trabalhos posteriores, Archer (2003, 2007) parece se esforçar consideravelmente para ancorar tais reflexões em situações concretas de ação, o que fica evidente na mobilização dos dados qualitativos oriundos de suas pesquisas empíricas em torno de biografias individuais e projetos de vida.

Em uma dessas obras, a autora sustenta que, de fato, as estruturas contam com poderes e propriedades causalmente eficazes, “condicionadoras”. Contudo, “condicionar” é um verbo transitivo, logo, precisa de um elemento sobre o qual se concretize a operação de condicionamento (Archer, 2003: 5). Esse elemento é, evidentemente, a agência humana, que, no quadro construído pela autora, está longe de designar uma “tábula rasa” passiva. Assim, “dado que condicionamento não é determinismo” (Archer, 2016: 82), este processo deve ser entendido como uma interação “entre dois diferentes tipos de poderes causais – aqueles pertencentes a estruturas e aqueles pertencentes aos agentes” (Archer, 2003: 3). Uma análise que deseje se dedicar a essa interação, como é o caso da pesquisa da socióloga britânica, deve, então, realizar dois movimentos. O primeiro diz respeito ao detalhamento sobre como poderes causais e estruturais influenciam efetivamente as ações dos atores sociais, seja constrangendo ou possibilitando. O segundo, por sua vez, refere-se à investigação “de como agentes usam seus poderes pessoais para agirem ‘de um jeito e não e de outro’ em situações” (Archer, 2003: 3, grifo da autora).

No nosso entendimento, o primeiro movimento foi amplamente explorado pela autora em Culture and Agency, enquanto o segundo é abordado em obras mais recentes, completando, assim, o quadro analítico da abordagem morfogenética. Nesse último movimento, Archer ressalta o fato de que os efeitos dos poderes estruturais só se concretizam por meio da sua influência nos projetos agenciais dos indivíduos. É somente a partir das maneiras diversas pelas quais os atores sociais planejam os seus cursos de ação à luz de suas circunstâncias materiais que podemos, de fato, verificar e mensurar o condicionamento das estruturas sobre a agência humana. Dito de outro modo, “para que uma propriedade estrutural ou cultural objetiva exerça os seus poderes causais, tais poderes devem ser ativados por agentes” (Archer, 2016: 84, grifo nosso).

Logo, pode-se dizer que, na teoria archeriana, os atores sociais são indivíduos ativos, competentes (Garifnkel, 2018), críticos e, principalmente, reflexivos – isto é, eles avaliam, refletem e ponderam, com enorme regularidade, sobre as ações dos outros e sobre os seus próprios comportamentos e projetos de futuro. A partir de um grande volume de pesquisas empíricas, a socióloga britânica argumenta que a reflexividade dos atores sociais é operada concretamente por meio de “conversações interiores”, entendidas como os diálogos internos por meio dos quais “deliberamos sobre nós mesmos em relação às situações sociais que enfrentamos” (Archer, 2016: 88). Como operações mobilizadas cotidianamente por todas as pessoas, independentemente de suas condições materiais (Archer, 2007), as conversações internas/interiores são tomadas como sendo “(a) genuinamente interiores, (b) ontologicamente subjetivas e (c) causalmente eficazes” (Archer, 2003: 16).

Voltando ao modelo explorado brevemente acima, temos que: (1) sistemas culturais “moldam objetivamente” as situações e contam com poderes causais capazes de obstaculizar ou possibilitar (2) interações distintas entre grupos sociais e indivíduos (nível Sociocultural) cujos diferentes cursos de ação são (3) elaborados por meio de deliberações internas reflexivas, que, em última instância, “determinam subjetivamente seus projetos práticos levando em consideração suas circunstâncias objetivas” (Archer, 2016: 90, grifos).

Com isso, a autora argumenta que as conversações internas são o mecanismo vivo de conexão entre agência e estrutura (Archer, 2003; Vandenberghe, 2008) – são elas que, efetivamente, realizam a função mediadora “entre as nossas circunstâncias estruturalmente moldadas e o que deliberadamente decidimos fazer delas” (Archer, 2016: 89). Por essa razão, embora os sistemas culturais concretizem propriedades restritivas ou capacitadoras em relação às situações da vida cotidiana – propriedades essas ativadas apenas pelos cursos de ação oriundos de deliberações reflexivas individuais –, os atores sociais podem ser tomados como “mediadores ativos de seu próprio condicionamento social e cultural” (Vandenberghe, 2016: 109).

Conclusão

Com esse texto, buscamos explorar brevemente alguns pontos fundamentais da vasta obra de Margaret Archer. A potência analítica de suas ideias, principalmente daquelas referentes à noção de “conversações internas”, é notável e bastante instigante, podendo ser mobilizada para a investigação de temas enormemente variados, como micro-mobilidade e projetos ascensionais de classes em meios populares (Pontes, 2015), transformações e rupturas biográficas (Corrêa, 2023; Talone, 2020), consultorias técnicas baseadas no estímulo à intensificação de movimentos autorreflexivos no cotidiano de seus clientes (Ferreira, 2023; Sales, 2021) etc. Logo, esperamos que este texto sirva como um convite estimulante à aproximação em relação às reflexões dessa autora tão profícua e ainda tão pouco conhecida em terras brasileiras.


Notas

* Doutorando em Sociologia e Antropologia (PPGSA/UFRJ). Pesquisador associado ao grupo Desenvolvimento, Trabalho e Ambiente (DTA/UFRJ).

** Doutorando em Sociologia e Antropologia (PPGSA/UFRJ). Pesquisador associado ao Núcleo de Estudos sobre Cidadania, Conflito e Violência Urbana (NECVU/UFRJ).

[1] Evidentemente, há esforços notáveis de transformação desse quadro, como se pode conferir nos textos de Vandenberghe (2008; 2010), no livro organizado por ele e Jean-François Verán sobre teoria social pós-bourdieusiana (2016), em artigos de Archer (2000, 2011) traduzidos para o português e em demais trabalhos, também escritos em português, voltados para a discussão de sua obra (Caetano, 2011; Campos, 2016; Pontes, 2015; Silva & Cunha, 2021).

[2] Agradecemos ao professor André Botelho por ter nos estimulado a escrever sobre Margaret Archer e pelo espaço cedido no Blog da BVPS. Como este texto é fruto da disciplina Teoria Sociológica II, ministrada pelo professor no primeiro semestre de 2023 no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ, estendemos esse agradecimento também aos nossos colegas de turma, que, seja em sala de aula, seja nos corredores e “cafezinhos”, sempre se mostram dispostos a conversar mais um pouco sobre teoria social, compartilhando dúvidas, inquietações e interpretações alternativas acerca dos textos lidos ao longo da disciplina.

[3] Nesse ponto, influenciada por Steven Lukes, Archer menciona três tipos de estratégias que o grupo dominante pode utilizar através de seu poder cultural. Em primeiro, ele pode reprimir culturalmente, o que ela chama de contenção autoritária. Por meio disso, a ortodoxia pode limitar o acesso à heterodoxia e suprimir a existência social do segundo grupo. A autora indica que há problemas nesse tipo de abordagem, pois apagar a existência do grupo adversário é impossível. Caso os hereges ganhem espaço e seja inevitável conviver com eles, os dominantes podem aplicar a estratégia de contenção seccional. Isso implica impedir que o grupo adversário entre nos espaços dominados pelo grupo dominante. Já a terceira forma, por sua vez, diz respeito ao uso do poder para controlar a visibilidade social da contradição e dos interesses dos grupos adversários. Para a autora, esse seria o tipo de modalidade mais utilizada no nível das relações sociais.

Referências

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